Ministério Público de Braga já está a ouvir progenitores de jovens futebolistas resgatados em operação do SEF.
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"Nem o meu filho nem nenhum dos quatro outros jovens colombianos que estavam na academia Bsports sofreu quaisquer maus-tratos, nem outra restrição ilegal como sequestro ou retenção de passaporte". César Ferro, empresário de Bogotá, esteve a ser ouvido esta quinta-feira no Ministério Público (MP), em Braga, no âmbito do inquérito aberto à escola de futebolistas dirigida pelo ex-presidente da Assembleia Geral da Liga de Portugal Mário Costa. O dirigente, que já se demitiu, é arguido por suspeita de crime de tráfico de seres humanos, no caso, jovens à procura de um futuro no futebol, alguns deles menores
"Disse ao procurador que é pena que se encerre uma estrutura que só beneficia o futebol português e ajuda os rapazes de muitos outros países a realizarem o sonho de ser futebolistas", afirmou ao JN César Ferro. O MP estará a ouvir outros progenitores. Um deles foi uma mulher de El Salvador, mãe de outro jovem que estava na academia, em Riba de Ave, Famalicão, alvo de uma ação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que dali retirou 114 rapazes.
"Regras para cumprir"
O empresário colombiano garante que o filho, de 16 anos - na Bsports há 18 meses e que, entretanto, começou a treinar-se no Sporting de Braga -, e os outros quatro jovens eram bem tratados, com três refeições por dia, acompanhados por técnico, fisioterapeuta, enfermeira e psicólogo. E ainda tinham aulas correspondentes ao 10.º ano do currículo escolar português.
Sobre o recrutamento, Ferro sabe que os pais pagavam "mensalidades que podiam chegar aos mil euros mas muitos entravam só com 500" e alguns "nada pagavam", beneficiando de "uma espécie de bolsa". O empresário veio a Portugal depois de o jovem ter sido levado pelo SEF para uma instituição de solidariedade social de Barcelos, tal como grande parte dos que estavam na Bsports. "Ele tinha autorização de residência que caducou em maio, mas o procurador disse que poderia ficar, se assim quisesse e eu autorizasse".
Ao JN, o filho, Camilo, que atua como centrocampista, explica que na Bsports havia regras para cumprir, tais como "horas para levantar, para dormir ou descansar". "Todos as cumpríamos, mas pode ter havido um problema ou outro com algum colega", explicou.
O jovem contou, ainda, que num jogo-treino realizado na Academia do Braga foi referenciado e convidado para ali treinar. "Não jogo, porque é preciso um certificado internacional da FIFA, que já foi pedido, mas ainda não chegou", disse, mostrando-se esperançado em alinhar na próxima época na equipa de sub-17. O atleta quer fazer carreira no futebol português. "Vou ficar!", garante. "Há muitos jovens talentosos na Colômbia, mas as oportunidades são poucas. Daí que os clubes locais tenham contactos com academias ou clubes europeus", explica o progenitor.
Braga sem protocolo
Questionado sobre o facto de este e outros jovens da Bsports estarem a treinar no clube, fonte oficial do Sporting de Braga garantiu ao JN que não existe nem existiu qualquer protocolo ou acordo de colaboração. Explica ainda que as várias equipas juvenis dos bracarenses participam em torneios locais e regionais e fazem dezenas de jogos-treino com escolinhas ou academias.
"Quando há um rapaz que se distingue pela qualidade, os nossos técnicos convidam-no a treinar aqui, mas sem que isso represente qualquer contrapartida para a empresa", acrescenta a fonte.
CD da Federação investiga torneio
O Conselho de Disciplina da Federação de Futebol (FPF) abriu um processo sobre os jogos "entre equipas formadas por menores integrados na Academia Bsports e equipas de clubes portugueses".
Tal como o JN noticiou ontem, o nome da segunda competição do futebol (Liga Portugal 2), conhecida como Liga SABSEG, era usado pela Bsports para designar uma competição paralela que, suspeita-se, seria usada para atrair alunos à Academia.
O processo visa a conduta de "clubes e de agentes desportivos" nas competições "profissionais" e "não profissionais". Ontem ainda, o presidente da FPF, Fernando Gomes afirmou que a demissão de Mário Costa é "abaixo do mínimo que devemos aceitar".
" Temos de refletir seriamente sobre se fizemos, se fazemos e se faremos tudo o que está ao nosso alcance", alertou. E respondeu: "Não. Não fizemos tudo. Sim. Podemos fazer tudo. Porque se não fizermos todos, é como se nenhum de nós fizesse nada". O dirigente revelou que, em 2020, a FPF denunciou "indícios de práticas ilegais."
Pormenores
Operação El Dourado - O SEF sinalizou 36 menores e nove jovens adultos vítimas de tráfico de pessoas na academia Bsports. Mário Costa e o pai e cinco sociedades foram constituídas arguidas.
Prometido sucesso - Segundo o SEF, os menores seriam angariados nos países de origem com promessas de sucesso desportivo. Pagavam entre 500 e 1800 euros mensais e viviam em condições precárias.
Condenação - Mário Costa presidia à União de Exportadores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, associação condenada a pagar 14 mil euros em dívida a uma empresa que montara e promovera uma cimeira por si organizada em Beja, em junho de 2018.