Os pedófilos estão a aproveitar a pandemia da covid-19 para aliciar mais vítimas e até combinam na Internet estratégias de ataques aos menores.
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O alerta é da Europol, que intercetou mensagens entre grupos de abusadores sexuais. Só em março, a organização desmantelou duas redes dedicadas à exploração sexual de crianças, detetando igualmente um aumento significativo de tentativas de contactos com menores nas redes sociais. A tendência é confirmada pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e pela Polícia Judiciária (PJ), mas o confinamento poderá estar a esconder muitos outros casos.
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A APAV tem assinalado um maior número de contactos para a Linha Internet Segura, utilizada para a denúncia deste e de outros tipos de crimes, e a PJ revela que está a assistir-se a um crescimento de queixas relativas a conteúdos virtuais ilegais, entre os quais pornografia de menores. A maioria dos crimes sexuais com menores cometidos ao longo dos últimos dois meses, acreditam os especialistas, ainda estarão ocultos, uma vez que, confinadas às quatro paredes de casa, as crianças ainda não tiveram oportunidade de os revelar.
A explicação das autoridades para este fenómeno é simples. Obrigadas a permanecer em casa 24 horas por dia, as crianças passam mais tempo online e, sem a supervisão dos pais, ficam vulneráveis a aliciamentos. Ficam igualmente mais predispostas a produzirem fotografias íntimas que, depois, enviam através redes sociais. Por outro lado, criminosos em isolamento e "aborrecidos" têm tempo para trocar material pornográfico que já possuem e para tentar aliciar novas vítimas através das plataformas digitais. Há ainda um terceiro fator: pais em teletrabalho estão menos protegidos relativamente a ataques informáticos, que roubam informação sensível sobre os filhos, usada pelos pedófilos.
Realidade escondida
"Estou muito preocupada com o aumento de casos de abuso sexual infantil online", escreveu a diretora- -executiva da Europol, Catherine De Bolle, num relatório, em abril. Nesse documento, a organização que coordena investigações entre várias polícias, refere que os pedófilos foram "capazes de se adaptar rapidamente [ao contexto pandémico] e capitalizar a ansiedade e medos das vítimas". Conversas detetadas em fóruns da dark web (Internet usada por criminosos) provam que há até incentivos a que sejam cometidos abusos sexuais - que são filmados e partilhados - por quem permanece em isolamento com crianças.
Ricardo Estrela, coordenador da Linha Internet Segura, avança, ao JN, que "em abril houve um maior número de contactos para a linha do que no mês anterior". E em março a Linha já tinha recebido 40 denúncias de pornografia infantil, sete de "sextortion" (em que a vítima é chantageada por motivos sexuais) e três por aliciamento de menores para fins sexuais. Alguns destes abusos, diz Ricardo Estrela, são cometidos por "menores com a mesma idade da vítima".
"Temo que quando sairmos da pandemia teremos um maior número de denúncias", afirma o técnico. Também a PJ que, embora não registe uma "variação significativa" quanto a crimes de exploração sexual de criança, entende que "um período de isolamento pode não apenas potenciar o risco de situações de violência sexual", como contribuir para uma "menor a capacidade de desocultar situações de violência contra crianças e jovens". "Um dos grandes veículos de denúncias vem das escolas e se as crianças estão afastadas desses recursos poderão ter maior dificuldade em pedir ajuda", explica fonte oficial.