Diligências ficam a cargo do MP ou de outra força de segurança. Procuradores com carta branca para averiguar se detido aparecer em tribunal com sinais de violência.
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A procuradora-geral da República (PGR) determinou que as agressões praticadas por agentes de autoridade ou contra estes sejam investigadas por uma polícia distinta daquela que o ofendido ou arguido integra e apenas quando tal for mais célere do que concentrar todas as diligências, incluindo as inquirições, nos magistrados do Ministério Público (MP). Lucília Gago instruiu ainda os procuradores para que ponderem a abertura de um inquérito se, aquando do primeiro interrogatório dos arguidos, estes apresentarem "lesões compatíveis com eventuais agressões" por parte dos agentes de autoridade.
Desde agosto que os crimes "contra a vida e contra a integridade física praticados contra ou por agentes de autoridade" são uma das 20 áreas cuja investigação é prioritária no âmbito da política criminal para o biénio 2020-2022. Estes ilícitos têm, por isso, precedência sobre "processos que não sejam considerados prioritários" nem urgentes. Já este ano, a 14 de janeiro, a PGR emitiu a diretiva n.º 1/2021 com orientações precisas a definir como os magistrados do MP devem atuar para que tal seja efetivado, nomeadamente quanto às agressões envolvendo polícias.
O documento, sem qualquer referência a casos concretos, surge na esteira de processos envolvendo suspeitas ou condenações por abusos graves de agentes da autoridade, entre os quais se destaca a morte de um cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa, que tem julgamento marcado para amanhã (ver ficha à direita). E também de um crescente número de casos de violência contra elementos das forças de segurança, na ordem das centenas por ano.
Videovigilância
Gago estabelece na diretiva que a "competência para a [aquela] investigação não deve ser delegada no órgão de polícia criminal em causa, devendo, sempre que possível, ser realizada pelos magistrados do Ministério Público, em especial as diligências de inquirição dos ofendidos e das testemunhas presenciais dos factos e, se for o caso, do interrogatório do arguido". Admite, ainda assim, que, "em casos mais complexos ou quando se preveja que a investigação possa decorrer com maior celeridade", exista uma delegação "em órgão de polícia criminal diverso daquele a que funcionalmente o(s) agente(s) visado(s) pertence(m)".
Entre as recomendações operacionais, estão a "célere inquirição do(s) ofendido(s), a "célere averiguação da existência, no local dos factos, de câmaras de videovigilância" e o "apuramento da existência de fotografias ou exames médicos ou registos de observação médica ou de enfermagem" que tenham sido feitos a um queixoso aquando da sua condução à prisão.
Atenção permanente
Para a PGR, a atuação dos procuradores não deverá, de resto, cingir-se aos casos em que aqueles crimes estão, à partida, em causa. Numa alínea direcionada para situações em que os polícias são os potenciais agressores, Gago pede aos procuradores que, se numa situação resultar do auto de notícia ou de denúncia "a eventual prática de atos contra a vida ou a integridade física praticados por agentes da autoridade", ponderem "a adequação e a necessidade" de tal ser investigado num inquérito autónomo ou integrado na ação principal. O mesmo deve ser feito "nos casos em que o arguido presente ao Ministério Público ou ao juiz de instrução apresente lesões compatíveis com eventuais agressões".
A PGR conclui frisando que a "instauração de inquérito contra agentes da autoridade" deve ser comunicada à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e Inspeção-Geral da Administração Interna".
Casos de violência
Inspetores do SEF julgados
Três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) começam amanhã a ser julgados por, em março, terem alegadamente matado à pancada um cidadão ucraniano nas instalações do organismo no aeroporto de Lisboa. A sala onde Ihor Homeniuk (foto), de 40 anos, morreu não tem videovigilância, mas as imagens captadas da porta foram essenciais para perceber quem saiu e entrou do local. Os suspeitos foram detidos pela Polícia Judiciária. O Ministério Público acredita que outros inspetores tentaram encobrir o crime.
Jovens espancados dentro de esquadra
O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou, em novembro, a condenação de oito polícias acusados de, em 2015, terem agredido cinco jovens do Bairro da Cova da Moura que se deslocaram à esquadra de Alfragide, na Amadora, para saber o paradeiro de um amigo que fora detido ilegalmente pela PSP. Na altura, a força de segurança divulgou, oficialmente, que tinha existido uma tentativa de invasão da esquadra que, ficou provado em julgamento, nunca existiu. A investigação foi da PJ.
Agressões entre PSP e moradores
Em janeiro de 2019, um polícia e cinco civis ficaram feridos em confrontos entre a PSP e moradores do Bairro do Jamaica, Seixal. Um agente e quatro elementos de uma família estão ser julgados por, entre outros crimes, ofensa à integridade física. A investigação foi do Ministério Público. O episódio deu origem a uma manifestação em Lisboa, que culminou em confrontos. Um dos detidos foi condenado por arremessar uma garrafa à Polícia.
Sequestraram e agrediram imigrantes
Cinco militares da GNR foram condenados, no ano passado, por terem entrado sem mandado, em 2018, nos domicílios de quatro imigrantes indianos, transportando-os, em seguida, para outro local onde os terão agredido com socos, pontapés e golpes de bastão. O caso aconteceu no concelho de Odemira e foi investigado pela Polícia Judiciária.