Ex-governante suspeito de ter recebido 3,7 milhões de euros daquele banco, para favorecer estratégias de Ricardo Salgado.
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Manuel Pinho foi detido na terça-feira por suspeitas de crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais após ser interrogado no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), onde chegou pelo próprio pé. Para o Ministério Público (MP), existe perigo de fuga, já que o ex-ministro do Governo de José Sócrates não tem residência oficial em Portugal e beneficiará de uma grande capacidade financeira, com diversas contas em offshores. Uma delas, garante o MP, foi criada para apagar o rasto de 3,7 milhões de euros em luvas que Pinho terá recebido do BES. A mulher foi constituída arguida ontem.
O inquérito conhecido como "rendas excessivas da EDP" tem duas vertentes. Uma diz respeito à alegada corrupção de Pinho para favorecer a elétrica nacional, envolvendo os ex-administradores António Mexia e Manso Neto. A outra aponta para luvas pagas pelo extinto BES, então liderado por Ricardo Salgado. É nesta linha que surgiram factos novos com os quais o ex-governante foi confrontado. Alexandra Pinho, também convocada pelo MP, apresentou-se ontem à tarde no Campus da Justiça para ser interrogada pelo juiz Carlos Alexandre. Pinho remeteu para declarações que já prestara ao MP.
Pinho passou a noite preso na PSP e conhecerá, esta quarta-feira, as medidas de coação. Alexandra Pinho, cujo mandado de detenção foi anulado, saiu em liberdade após cinco horas de interrogatório.
Decisões para o BES
Segundo o MP, Pinho aceitou, enquanto ministro da Economia, tomar decisões favoráveis aos negócios do BES. Autorizou a compra de 40% da Auto-Estradas do Atlântico pela Brisa (concessionária onde o BES tinha interesses), apesar do chumbo da Autoridade da Concorrência. Terá ainda beneficiado o banco em decisões envolvendo a Herdade da Comporta e o Loteamento do Pinheirinho.
Como contrapartida, Pinho foi recebendo 15 mil euros por mês, numa conta da sociedade offshore Tartaruga Foundation, no Panamá. Quem pagava era o Grupo BES, através de uma Ordem Permanente (OP) assinada por Salgado. Também recebeu meio milhão de euros, em 2005, além da promessa de um lugar no BES após o fim do mandato, e uma reforma, aos 55 anos, de 62 mil euros por mês. A mulher foi admitida como curadora do BES Photo Art até 2014, com um salário de sete mil euros por mês.
O dinheiro foi caindo mensalmente na "Tartaruga" mas, a partir de 2010, Pinho quis apagar o rasto das verbas e criou nova offshore, a BlackWade, nas Ilhas Virgens Britânicas, com a qual comprou o apartamento de 1,2 milhões de euros na zona nobre da Times Square, em Nova Iorque.
Para o MP, a nova offshore tem uma explicação. "Blackwade era uma companhia offshore acabada de criar e tinha a folha limpa. Com a Blackwade, não havia um histórico de pagamentos, como acontecia com a Tartaruga Foundation, que pudesse levantar questões no compliance do banco da parte vendedora do apartamento, devido ao eventual conflito de interesses vivido por Pinho, ao receber uma avença de um grupo privado através de um esquema oculto enquanto era ministro", assegura o despacho do DCIAP, a que o JN teve acesso.
Os principais arguidos e outras figuras do processo EDP
Manuel Pinho (arguido), ministro da Economia entre 2005 e 2009
Segundo o MP, terá beneficiado a EDP na renegociação dos CMEC e, em troca, a empresa pagou para ele ir dar aulas nos Estados Unidos. Noutro processo, é suspeito de receber uma avença de 15 mil euros do saco azul do BES enquanto ministro.
António Mexia (arguido), ministro das Obras Públicas em 2004 e CEO da EDP até 2020
É suspeito de quatro crimes de corrupção ativa relacionados com os CMEC e um crime de participação económica em negócio relativo à adjudicação da construção da barragem do Baixo-Sabor ao consórcio do Grupo Lena/Odebrecht.
João Manso Neto (arguido), antigo CEO da EDP Renováveis e atual CEO da Greenvolt
Tal como Mexia, também é suspeito de quatro crimes de corrupção ativa e um de participação económica em negócio. Após ser suspenso de funções por ordem do Tribunal, saiu da EDP e foi para a Greenvolt, empresa do grupo Altri.
Artur Trindade (arguido), secretário de Estado da Energia entre 2012 e 2015
Segundo o MP, terá incentivado alterações legislativas e fixação de preços para beneficiar indevidamente a EDP. Em troca, o pai terá sido contratado como consultor externo pela empresa e ele foi colocado no Operador do Mercado Ibérico de Eletricidade.
José Sócrates, ex-primeiro-ministro que se constituiu assistente no caso
O juiz Ivo Rosa aceitou constituir como assistente o ex-primeiro-ministro José Sócrates, mas o Ministério Público recorreu para o Tribunal da Relação. Entendia que Sócrates era demasiado próximo de Pinho. A Relação deu razão a Ivo Rosa.
Ricardo Salgado (arguido), ex-presidente do Conselho de Administração do BES
Está a braços com o processo Marquês, mas também com o caso Universo Espírito Santo. No inquérito que visa Pinho, é citado como tendo ordenado pagamentos ao ex-governante e contratado a mulher do antigo ministro da Economia.
Perguntas e Respostas
O que são os CAE e os CMEC?
Os CAE - Contratos de Aquisição de Energia - garantiam aos produtores de eletricidade condições mínimas de venda de energia à rede elétrica. Em 2007, houve uma antecipação do fim destes contratos na sequência de uma diretiva comunitária que impôs a liberalização do mercado energético nacional. Os CAE foram então substituídos pelos CMEC - Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual.
Como é que os CMEC se relacionam com a EDP?
Os CMEC, desenhados em 2004, ainda no Governo de Santana Lopes, serviam para compensar a EDP pelo fim antecipado das dezenas de CAE anteriormente celebrados. Os CMEC estabeleciam um mecanismo que garantia que as centrais elétricas da EDP não perdiam dinheiro ao colocar a eletricidade à venda diretamente no mercado ibérico.
O que está a ser investigado pelo Ministério Público?
Inicialmente, os CMEC previam uma remuneração de 36 euros por megawatt/hora à EDP. Em 2007, já no Governo Sócrates, houve uma reformulação das compensações e o valor das chamadas rendas de energia aumentou para 50 euros por megawatt/hora. A EDP negou ter beneficiado desse aumento.
E o que significou o prolongamento da concessão das barragens?
Em 2007, a EDP pagou ao Governo 760 milhões de euros para prolongar a concessão de várias barragens. Isto permitiu que a empresa conseguisse assegurar a receita fixa dos CMEC por um período entre 15 e 25 anos.