O diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves, defendeu esta quinta-feira, na Assembleia da República, que a solução proposta pelo Governo e deputados para que os metadados continuem a ser usados na investigação criminal, recorrendo a informação já armazenada pelas operadoras para efeitos de faturação, deve ser "transitória".
Corpo do artigo
"Vamos ter de lutar no futuro para termos outros instrumentos", frisou o dirigente, acrescentando que é sua intenção que o assunto seja, no próximo mês de outubro, debatido no seio da Europol. Em causa está, nomeadamente, o período durante o qual os dados - que permitem conhecer o contexto de uma comunicação ou acesso à Internet de qualquer cidadão mas não o seu conteúdo - são conservados.
O Tribunal Constitucional declarou inconstitucional, em abril de 2022, a chamada "lei dos metadados", que obrigava, desde 2008, as operadoras a armazenarem aqueles dados para que fossem eventualmente transmitidos às polícias, invocando, entre outros aspetos, o direito à intimidade da vida privada dos cidadãos. A decisão surgiu seis anos depois de, em 2016, o Tribunal de Justiça da União Europeia ter, com argumentos similares, invalidado a diretiva comunitária que originara aquele diploma.
Para contornar o chumbo do Tribunal Constitucional, o Governo apresentou, em junho de 2022, uma proposta de lei que, na prática, prevê o acesso pelas polícias aos dados de tráfego que, no âmbito de uma outra lei em vigor (41/2004, de 18 de agosto), as operadoras podem guardar, durante seis meses, para fins comerciais. No âmbito da "lei dos metadados", a conservação era obrigatória durante um ano.
"Esta posição é curta para o futuro", defendeu, esta quinta-feira, Luís Neves, sublinhando que, para a PJ, a solução atualmente proposta é "transitória" e visa somente que "a investigação criminal não fique despida de instrumentos". O diretor nacional confirmou, de resto, que desde que a "lei dos metadados" caiu, a instituição tem já optado por recorrer à atual versão da lei 41/2004 e à Lei do Cibercrime, datada de 2009.
"E se as operadoras, por uma questão de negócio, disserem 'eu não quero guardar mais dados?' [...] Essa solução seria catastrófica para a investigação e dezenas de milhar de inquéritos anualmente deixariam de ser investigados", alertou.
"Desigualdade de armas"
Luís Neves criticou, ainda, aquilo que considera ser uma interpretação "demasiado restritiva" e "retrógrada" por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia da diretiva que permitia o uso de metadados para investigação criminal.
"A proporcionalidade tem de ser atualizada às dinâmicas do dia a dia. Há uma desigualdade de armas. Do ponto de vista dos meios de obtenção de prova, nós mantemo-nos estanques durante décadas, mas os criminosos e as organizações criminosas evoluíram muito", sustentou o diretor nacional da PJ.
Exemplo disso, precisou, é a forma como os criminosos utilizam, hoje em dia, "comunicações cifradas", "por satélite", a dark web (que permite um nível acrescido de anonimato) e transferências de criptomoedas para fugir ao radar das autoridades, enquanto "os parcos elementos de obtenção de prova" que as polícias têm são "subtraídos". "É um retrocesso civilizacional", concluiu, apelando aos deputados que encontrem "um equilíbrio" entre as necessidades da investigação criminal e da vida privada.
Para já, a proposta de lei do Governo - ao qual se juntaram já projetos de lei de vários partidos representados no Parlamento - está a ser discutido no âmbito de um grupo de trabalho da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Nas próximas semanas, serão ouvidas outras entidades e só depois os deputados chegarão a um texto final, que terá ainda de ser aprovado, na generalidade e na especialidade, pela Assembleia da República.
Se a aprovação se confirmar, o diploma seguirá depois para o presidente da República para promulgação. Marcelo Rebelo de Sousa já garantiu, porém, que irá pedir a fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional do documento que lhe vier a ser remetido, de modo a que não haja "sombra de dúvida" sobre a sua constitucionalidade.