A intrusão, em 2016, na caixa de correio eletrónico de Fernando Gomes, administrador da SAD do F. C. Porto, é um dos cinco processos que foram suspensos no âmbito da colaboração de Rui Pinto com as autoridades.
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O acordo, proposto em julho pelo Ministério Público (MP) e já validado pelo juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal, obriga o gaiense, de 31 anos, a cooperar com a Justiça durante ano e meio. Após esse período, as cópias dos seus discos na posse da Polícia Judiciária (PJ) serão destruídas.
Ao todo, terão sido 13 os acessos de Rui Pinto ao email em questão, a partir do qual terá tentado entrar noutras caixas eletrónicas da estrutura portista. A SAD apresentou queixa logo em 2016, mas só este ano é que o MP descobriu indícios suficientes de que o responsável pelo ataque foi mesmo o criador assumido, em 2015, do site Football Leaks.
Para tal, foi fundamental a informação descoberta nos discos apreendidos, no início de 2019, ao autointitulado denunciante e, a partir de 30 março deste ano, desencriptados pelo próprio.
espionagem ao governo
Segundo os autos consultados pelo JN, além do inquérito à intrusão no email de Fernando Gomes, foram igualmente suspensos os inquéritos referentes à publicação, no blogue "Mercado do Benfica", dos endereços de correio eletrónico das casas do Benfica, um ataque, em 2017, ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça para obtenção de credenciais e a espionagem, no mesmo ano, de gabinetes ministeriais - incluindo o do primeiro-ministro, António Costa - e da então procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal. O MP admite, porém, que no caso dos ataques às mais altas esfera do Estado e da Justiça, "não foram encontrados indícios", na análise aos equipamentos, "da prática dessa factualidade".
crime continuado e não vários
Para o procurador Casimiro Nunes - que propôs ao juiz a suspensão dos processos -, em causa está a prática de um crime continuado de acesso ilegítimo e não de vários crimes em face do número de vítimas. Tal qualificação implica que a pena aplicável seja, no máximo, de cinco anos de prisão, o que permite que o processo seja suspenso já nesta fase, mediante condições. Neste caso, o arguido fica obrigado a colaborar durante ano e meio e proibido de praticar qualquer ilícito.
No documento, o magistrado lembra que o arguido se mostrou arrependido e que, sem a sua cooperação, aqueles factos nunca lhe teriam sido imputados "em tempo útil". "A conduta do arguido apresenta uma culpa diminuída, atentos os motivos da prática dos factos: a procura de prova prática de crimes graves para os divulgar publicamente", sustenta Nunes.
O procurador defende, ainda, que Rui Pinto "terá agido sem refletir devidamente nas consequências dos seus atos". Até porque, frisa, o grau de culpa é de "baixa intensidade", fruto da "sua condição social", que se terá repercutido na sua "capacidade para compreender com rigor [...] a censurabilidade do comportamento indiciado".
Apesar disso, o magistrado reconhece que os dados "não explorados" nos discos desencriptados afetam, além de constituírem "prova ilegal", um "conjunto indeterminado de sujeitos" que "gozam de uma proteção constitucional".
Crimes
Há um mês que Rui Pinto está a ser julgado por 89 crimes informáticos por ter espiado, nomeadamente, o Sporting e a Federação Portuguesa de Futebol. É ainda suspeito de ter tentado extorquir, em 2015, o fundo Doyen Sports.
Alega "bem maior"
Na primeira sessão do julgamento, o gaiense disse ser um whistleblower (denunciante) e não um hacker. Alegou, ainda, que tudo o que fez foi por "um bem maior". Até agora, não se mostrou disponível para responder às perguntas do tribunal.
Diversos leaks
Rui Pinto garante ainda ter sido a fonte dos Luanda Leaks e um dos colaboradores do Malta Files. Em causa está a denúncia de ilícitos ligados à empresária angolana Isabel dos Santos e atos fiscais naquela ilha.
Quis garantia de que não seria incriminado
Rui Pinto, atualmente a ser julgado por 89 crimes noutro processo, só passou a colaborar com a PJ após ter tido a garantia de que a informação encontrada nos discos que desencriptasse não seria usada contra si, em qualquer inquérito. O autointitulado denunciante condicionou ainda a sua cooperação ao fim da prisão preventiva então em vigor. Um mês depois da primeira desencriptação - a 30 de março deste ano, quando já sabia que iria ser julgado -, o gaiense acrescentou que sentia receio pela sua vida, devido a ameaças que recebera, via redes sociais, quando residia na Hungria, onde foi detido em janeiro do ano passado. As ameaças estão a ser investigadas pelas autoridades e terão abrangido também o pai do arguido.