Empresas resistem a indemnizar quando há acidentes com animais nas autoestradas, apesar de jurisprudência as responsabilizar.
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As concessionárias das autoestradas resistem ao pagamento de indemnizações às vítimas de acidentes que envolvam animais, apesar da jurisprudência ser clara na responsabilização das empresas. Os condutores ficam com os prejuízos e, muitas vezes, são forçados a enfrentar anos de litígio nos tribunais à espera de um desfecho favorável. Face a mais uma denúncia de recusa de compensação, a Provedoria da Justiça chama o concessionário à responsabilidade e recomenda o ressarcimento, com a agravante de que, neste caso, a rejeição é da empresa pública Infraestruturas de Portugal.
O sinistro ocorreu em 2018 na A23. O carro embateu num cão que deambulava pela via, em Torres Novas, mas a Infraestruturas de Portugal escusa responsabilidade, alegando que o troço fica numa zona onde não é possível colocar vedação e que cumpriu os deveres de vigilância. Esse é, aliás, o argumento habitualmente apresentado pelas concessionárias para negar o pagamento de indemnizações, sem concretizar os meios usados para garantir a segurança, indica a associação Deco, sobretudo quando se desconhece como é que o animal entrou na via (nomeadamente quando as redes estão intactas).
394 sinistros com vítimas
Estes casos são muito difíceis de resolver através de processos de mediação, sublinha Ana Sofia Ferreira, coordenadora do Gabinete de Apoio ao Consumo da Deco, que todos os anos recebe queixas de condutores vítimas de embates com animais e com objetos caídos nas autoestradas de mediação.
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"A partir do momento em que há uma primeira recusa, a concessionária dificilmente altera a sua posição. Muitos casos acabam por ter de ir para tribunal", acrescenta a coordenadora ao JN. Além do prejuízo material, e às vezes também físico, as vítimas ficam sujeitas ao calvário judicial, levando anos à espera de um desfecho.
Entre 2016 e 2019, a GNR registou 394 acidentes em autoestradas e estradas nacionais com vítimas, provocados por animais. Duas pessoas morreram e contam-se 22 feridos graves e 338 ligeiros. Os distritos com pior registo são Faro, Porto e Braga.
Ónus da prova é das empresas
A jurisprudência dos tribunais superiores só iliba as empresas nos casos em que provem detalhadamente que o animal entrou na autoestrada por ação de uma terceira parte. Desconhecer a causa da entrada do animal ou alegar simplesmente que cumpriram os seus deveres não as ilibam. "O ónus da prova cabe às concessionárias e não podem limitar-se a dizer que cumpriram as obrigações", atenta Ana Sofia Ferreira. É também o entendimento da provedora da Justiça, Maria Lúcia Amaral.
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"Pretendendo pôr fim a uma ampla querela doutrinária e jurisprudencial", a lei transferiu "para a concessionária a obrigação de demonstrar ter tomado as medidas adequadas a evitar o sinistro", defende Maria Lúcia Amaral. "Era necessário que provasse que o animal se introduziu na autoestrada por um meio que ela não podia ter evitado e que o tempo que mediou entre a sua permanência e o acidente foi de tal forma curto que não lhe permitiu eliminar, ou pelo menos diminuir, o perigo". Nada disso foi provado e, por isso, a provedora recomenda à Infraestruturas de Portugal que pague a compensação devida.