Donos de escola de condução, funcionário do IMT, advogada e médicos acusados de associação criminosa. Licenças de TVDE e renovações também garantidas sem formação.
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Um casal proprietário de uma escola de condução de Lisboa foi acusado pelo Ministério Público (MP) de ter montado uma rede de corrupção para fornecer ou revalidar cartas de motorista de camião, certificados de motorista de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados (TVDE) e licenças de motoristas de transporte coletivo de crianças (TCC), sem que os clientes tivessem de realizar entre 35 a 50 horas de formação. Os "clientes" pagavam cerca de 200 euros para obter ou revalidar as cartas.
Em causa, para além da corrupção, estão crimes de falsificação de documento, emissão de atestados falsos, falsidade informática e abuso de poder. Com a ajuda de um funcionário do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) com responsabilidades na área da fiscalização do ensino da condução, da sua mulher, que é advogada, de médicos e de uma rede de angariadores, o casal garantia a atribuição das licenças. Ao todo, são 120 arguidos no processo, contando também com os beneficiários do esquema.
De acordo com a acusação, que tem mais de duas mil páginas, os interessados em obter ou renovar as licenças contactavam os angariadores que eram, regra geral, pessoas ligadas ao ensino da condução ou motoristas profissionais.
Um dos casos descritos pelo MP envolve um piloto de linha aérea. No início de 2019, o candidato procurou um dos angariadores com quem se encontrou numa bomba de gasolina da zona do Bombarral. Acordaram o fornecimento de um certificado de frequência, com aproveitamento, do curso de motorista de TCC, sem que tivesse de "perder tempo" com as formações obrigatórias.
Pagando à rede, nem sequer tinha de se "submeter a exame clínico nem a avaliação psicológica para a obtenção de um atestado médico e de um certificado de avaliação psicológica que atestassem a sua aptidão mental, física, percetivo-cognitiva, psicomotora e psicossocial para a condução de veículos", adianta o MP.
O piloto pagou e entregou os seus documentos. Equipado com uma impressora na mala do carro, o angariador, que recebia sempre uma percentagem das luvas, fez cópias dos documentos e devolveu-os, dando início ao "processo fraudulento".
Por dez euros, um médico passou um atestado sem nunca ter visto o piloto, e uma psicóloga fez o mesmo por 30 euros. Depois, os donos da escola de condução, Filomena e José Pires, colocaram o nome do piloto numa lista de alunos que teriam supostamente efetuado uma formação de 38 horas. A lista foi enviada ao IMT, onde a rede tinha a cobertura do funcionário. Tal como o piloto, dezenas de indivíduos obtiveram assim licenças para transportar crianças e para conduzir camiões ou TVDE.
O casal terá lucrado pelo menos 93 mil euros com o esquema, que se manteve entre novembro de 2018 e maio de 2019, quando foram detidos pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária.