Relatório de Segurança Interna aponta esquema usado em Portugal destinado a branquear lucros do cibercrime.
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São cidadãos de origem africana, residentes em França, que abrem uma multitude de empresas em Portugal, destinadas apenas a serem a fachada de um gigantesco esquema de branqueamento. As firmas permitiram abrir contas bancárias por onde circularam milhões de euros provenientes da criminalidade informática internacional. O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), que serve de barómetro sobre a criminalidade em Portugal, dá o caso como exemplo de um fenómeno que está disseminado e para durar.
Inicialmente, o crime organizado começou por usar cidadãos nacionais permeáveis e, regra geral, a passar por dificuldades económicas, para abrir as contas bancárias pelas quais iria transitar o dinheiro sujo, com destino a países estrangeiros.
De acordo com o RASI, "verifica-se o incremento de Money Mules ["mulas de dinheiro"] naturais de Camarões e Nigéria, residentes no espaço europeu (particularmente França), que se dirigem intencionalmente a Portugal para aqui constituírem sociedades comerciais, com o único propósito de abrirem contas bancárias em nome de tais sociedades para o branqueamento de fundos provenientes do cibercrime", pode ler-se no documento, a que o JN teve acesso.
Depois de abertas as contas em nome das firmas, os fundos são transferidos para estados sem acordos de cooperação com Portugal, ou levados por "mulas" para os países onde as organizações criminosas têm sede.
Em junho passado, a Polícia Judiciária deteve um cidadão francês, de 71 anos, por suspeitas de lavagem de dinheiro. Usou documentos falsos para abrir "empresas mula" que recebiam verbas obtidas através de burlas internacionais em moeda virtual (bitcoin). O homem, entretanto colocado em prisão preventiva, foi detido quando se preparava para fazer um levantamento em notas. Estima-se que terá lavado cerca de 3,7 milhões de euros.
Apenas duas semanas depois, um português e três estrangeiros, também eles ligados a França, foram detidos por terem aberto contas nas quais foram creditadas centenas de milhares de euros, provenientes da cibercriminalidade.
Ligações à Nigéria
Uma mulher portuguesa e dois homens estrangeiros, residentes em Sintra, foram detidos, em julho do ano passado, por terem criado duas empresas fictícias e aberto sete contas bancárias para "lavar" 450 mil euros obtidos com burlas informáticas no estrangeiro por uma rede internacional com ramificações no Reino Unido e na Nigéria.
Transferência rápida
As verbas são rapidamente transferidas para contas abertas noutros países por testas de ferro ou com recurso a identidades falsas.