Mulher de 71 anos aufere pensão de velhice e invalidez de 410,56 euros, inferior ao salário mínimo. Tribunal validou penhora, mas juízes desembargadores mandaram devolver o dinheiro.
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Em dezembro do ano passado, uma reformada de 71 anos foi informada pelo Instituto da Segurança Social que 221,12 euros do seu subsídio de Natal haviam sido penhorados no âmbito de um processo de execução. A mulher, natural de Águeda, tem como único rendimento a pensão mensal de 410,56 euros. Mesmo assim, ficou sem mais de metade do 13.o mês. Contestou e, quase um ano depois, o Tribunal da Relação do Porto (TRP) deu-lhe razão e ordenou a devolução do dinheiro.
A reformada auferia uma pensão de velhice e invalidez no valor de 410,56 euros, tendo direito legal a subsídios de férias e de Natal. Em dezembro, deveria receber 821,12 euros. Porém, um agente de execução aproveitou-se do facto da pensionista receber duas mensalidades ao mesmo tempo e ordenou a penhora do excedente do salário mínimo nacional: 221,12 euros. Pedido que foi aceite pelo Instituto de Segurança Social.
A mulher contestou, lembrando que, em 2018, já tinha tentado anular junto do tribunal a penhora de 198,68 euros do subsídio de férias, mas não tinha obtido qualquer resposta. A 9 de janeiro de 2010, o Juízo de Execução de Águeda considerou que a penhora tinha sido legal porque, no seu entender, tanto o subsídio de Natal como de férias são penhoráveis, desde que, após a penhora, a executada fique com o valor líquido mensal igual ou superior ao salário mínimo.
A defesa da idosa não se conformou e recorreu para o TRP, argumentando que, neste caso, os subsídios - quer sejam entendidos como prestação autónoma, quer como extensão da pensão - serão sempre impenhoráveis. Se, como determina a lei, são autónomos e correspondem a duas de 14 prestações mensais serão inferiores ao valor do salário mínimo. Se forem entendidos como extensão da pensão tem de se calcular o montante global de rendimentos (14 x 410,56 euros) e depois dividi-los por 12, o que daria 478,98 euros mensais, valor menor que o salário mínimo e, logo, impenhorável.
Dignidade humana violada
O recurso concluía que, além de não ser legal, a penhora era "violadora do princípio do respeito da dignidade humana constitucionalmente consagrado, pelo que deverá ser ordenado o imediato levantamento e consequente restituição do montante penhorado".
Os juízes da Relação esclareceram que não concordavam com a natureza plenamente autónoma dos subsídios. Porém, confirmaram que para saber se os subsídios são penhoráveis ou não há que fazer o cálculo global dos rendimentos e dividi-lo por 12. Se o valor mensal for inferior ao salário mínimo, os subsídios serão sempre impenhoráveis, nem que, ocasionalmente, no mês em que são atribuídos, exceda o salário mínimo.
Aliás, reforça o acórdão, no qual não é referido o motivo da penhora, se o subsídio fosse pago em duodécimos, nunca poderia ser penhorável, pois o rendimento mensal seria inferior ao salário mínimo, logo a sua atribuição numa única prestação também não será penhorável.
Neste caso em concreto, uma vez que os rendimentos dão 478,99 euros mensais, menos que o então SMN (600 euros), não é admissível a penhora que incidiu sobre a verba correspondente ao subsídio de Natal, o que implica a revogação da decisão recorrida e a anulação da penhora, decidiram os juízes da Relação.
Pormenores
"Impenhorável"
O juízes da Relação do Porto citaram o artigo 738/1 do Código de Processo Civil para fundamentar a sua decisão, entre outras disposições legais. "São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado", refere o artigo.
Sem notificação
Quando contestou a penhora pela primeira vez, em dezembro do ano passado, a pensionista não tinha ainda sido notificada da mesma, refere o seu representante legal no recurso entrado na Relação.