Tribunal de Família ordenara que bebé passasse fins de semana alternados com o progenitor. Congelar leite não é o mesmo que amamentar, alega juíza.
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O Tribunal da Relação de Lisboa reverteu a decisão do Tribunal de Família e Menores (TFM) de Cascais que, há dois meses, tinha obrigado uma bebé amamentada pela mãe a pernoitar, em fins de semana alternados, na casa do pai.
A juíza desembargadora frisa que o aleitamento materno é do "superior interesse da criança" e, por isso, seria "um mau trato" privá-la do mesmo. A menina, atualmente com um ano, continuará a estar com o pai, semana sim, semana não, ao sábado e domingo, mas apenas durante o dia, dormindo sempre em casa da mãe.
"Uma coisa é amamentar, outra é tirar o leite para congelar e ser dado mais tarde. O envolvimento emocional do ato de amamentar é fortemente vinculativo entre mãe e filha, não se devendo privar a menor dessa ligação", sustenta, na sentença de 20 de dezembro, a magistrada, sublinhando que não se mostra "praticável que a mãe vá a casa do pai amamentar a filha". Os progenitores moram a mais de 50 km um do outro.
O regime, provisório, vigorará enquanto a bebé for amamentada pela mãe. Em tese, poderá igualmente ser alterado se, entretanto, for decidida pela primeira instância a guarda definitiva da menina. O processo passou, em novembro, para outro juiz do TFM de Cascais, depois de a magistrada responsável pela decisão inicial ter sido afastada a requerimento da defesa da progenitora, por alegada parcialidade.
Queixa por violência
Tal como o JN noticiou em outubro, os pais da criança começaram a namorar no verão de 2020. Em fevereiro de 2021, o homem terá começado a exibir ciúmes doentios, tornando-se cada vez mais agressivo. A menina nasceu em dezembro seguinte e a relação, intermitente, chegou ao fim no verão passado, com uma queixa por violência doméstica. Na altura, não foi determinada qualquer proibição de contacto entre ambos.
Em meados de setembro, a progenitora deu entrada no TFM de Cascais com um pedido de regulação provisória das responsabilidades parentais, alegando que o ex-companheiro fora buscar a bebé à creche sem a avisar, privando-a do aleitamento.
O Ministério Público considerou, logo nessa altura, que tal constituía "um mau trato". A juíza entretanto afastada concordou, mas apenas se a privação ocorresse "de um momento para o outro". Quatro dias mais tarde, o homem entregou a menina à ex-companheira.
Na decisão em que depois decretou os fins de semana alternados com pernoita, a mesma juíza defendeu que ficara indiciado que, durante aquele período, a bebé bebera leite pelo biberão, apesar de a mãe garantir que a filha não se adapta ao recipiente. O regime então instituído visou manter a proximidade entre pai e filha.
Bebé já não se alimenta só de leite materno
À data da primeira decisão, a menina tinha 10 meses e era amamentada apenas durante a noite e de manhã, precisamente os períodos em que, a partir de agora, estará sempre em casa da mãe.
Em outubro, especialistas ouvidos pelo JN recordaram, sem falar sobre o caso concreto, que naquela idade a criança tem já uma alimentação diversificada, existindo a possibilidade de a progenitora extrair o leite. O diretor do Centro Materno Infantil do Norte, Caldas Afonso, considerou então que, nesse contexto, o vínculo do filho com o pai é "um bem maior" face à amamentação. Isabel Reinaldo, voluntária do SOS Amamentação, concordou, mas alertou que é importante "perceber se é o momento exato" para a alteração de hábitos. "Já come outros alimentos, mas convém acautelar que não sofre", frisou.