Progenitora diz que filha, de dez meses, não bebe leite pelo biberão. Menina ficará com o pai em fins de semana alternados.
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O Tribunal de Família e Menores (TFM) de Cascais determinou, esta semana, que uma bebé de dez meses amamentada pela mãe tem de passar fins de semana alternados em casa do pai. A progenitora alega que a filha não se adapta ao biberão, mas, para a juíza, está indiciado que, durante quatro dias que a menina passou em setembro com o pai, bebeu leite à noite por aquele recipiente.
Ao JN, os especialistas alertam que cada caso é distinto e que um acordo é sempre o melhor para as crianças.
Na sentença, a magistrada desvalorizou ainda o facto de o homem ser suspeito de violência doméstica contra a mãe da bebé, por não ter sido imposta no inquérito criminal em curso, a cargo de outros magistrados, qualquer proibição de contactos entre o alegado agressor e a queixosa.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, os pais da bebé começaram a namorar no verão de 2020. Em fevereiro do ano passado, o homem terá começado a exibir ciúmes doentios, tornando-se cada vez mais agressivo. A filha de ambos nasceu em dezembro e a relação, intermitente, chegou ao fim no verão deste ano, com uma queixa por violência doméstica.
Dez dias mais tarde, a mãe requereu ao TFM de Cascais a regulação provisória das responsabilidades parentais, sustentando que o ex-companheiro fora buscar a bebé à creche sem a avisar, privando a menina da amamentação.
"Mau trato" privar de lactação
A preocupação foi corroborada pelo Ministério Público, que solicitou ao tribunal que diligenciasse pela entrega da criança à mãe, por se tratar de "um mau trato privá-la de lactação". A juíza concordou, mas ressalvou que o "mau trato" existe quando tal ocorre "de um momento para o outro". O pai aceitou e, quatro dias após ter ido recolher a filha, devolveu-a à mãe.
Nas duas semanas seguintes, o homem terá ido, em três ocasiões, buscar a bebé à creche, sem atender aos horários da amamentação. Simultaneamente, pediu no processo que a menina passasse uma semana em casa de cada progenitor. Já a mãe solicitou que o pai só tivesse visitas supervisionadas, admitindo, no futuro, a instituição de fins de semana alternados.
Na última terça-feira, o TFM acabou por ordenar que a criança passe fins de semana alternados com o pai, sublinhando que foi a distância de mais de 50 quilómetros entre a casa dos progenitores - e não o facto de a bebé ser, aos nove meses, amamentada - que ditou a rejeição da residência alternada.
O objetivo é que a bebé mantenha a proximidade com o pai.
Denúncia
Mulher acusa ex-companheiro de insultos e agressões
Na queixa por violência doméstica que apresentou na GNR há cerca de um mês, a mulher assegura que o ex-companheiro a pôs na rua e tentou bater- -lhe quando já se encontrava grávida. Nessa altura, teria sido insultada pelo homem, por ser de origem árabe. A situação não terá melhorado com o nascimento da filha e, numa ocasião, o suspeito terá chegado a apertar-lhe o pescoço. As discussões, frisa, continuaram nos meses seguintes, incluindo nas férias, até que a relação chegou ao fim.
Saber mais
Primeira decisão
A guarda da bebé não tinha sido, até à última terça-feira e dado o caráter recente da separação, regulada por qualquer tribunal. O regime instituído é provisório e, por isso, ainda poderá ser alterado.
Pai intempestivo
O Tribunal de Família e Menores de Cascais admite que o modo como o pai foi buscar a bebé à creche foi intempestivo, mas ressalva que, até agora, não tinha menos direito do que a mãe de recolher a menina.
Bebé perdeu peso
Durante o mês em que, ocasionalmente, ficou em casa do pai, a bebé perdeu 150 gramas e cresceu um centímetro.
"Já come outros alimentos, mas convém acautelar que não sofre"
Especialistas lembram que mãe pode tirar leite. E alertam para importância de vínculo com o pai.
Análise Isabel Reinaldo, voluntária do SOS Amamentação, está habituada a que pais e mães recorram ao projeto que integra para perceberem como garantir o aleitamento dos filhos quando se separam. "Nós tentamos sempre aconselhar: "da forma mais pacífica"", resume, lembrando que existe a alternativa de "a mãe extrair o leite" para ser dado mais tarde ao bebé.
Ao JN, a formadora em aleitamento materno considera, ainda assim, que até ao primeiro ano de idade, "faria todo o sentido a criança passar a noite com a mãe" depois de passar o dia com o pai. "Se calhar, seria mais fácil para a criança", frisa, sem deixar de recordar que, aos dez meses, um bebé pode já nem precisar de biberão.
Até porque, precisa o diretor do Centro Materno Infantil do Norte, com essa idade uma criança "só toma leite uma vez por dia". "Aos dez meses, já tem uma alimentação quase a entrar na alimentação da família", argumenta Caldas Afonso.
O pediatra defende ainda que, nessa idade e atendendo à possibilidade de a mãe extrair e armazenar leite, o vínculo do filho com o pai é "um bem maior" face à amamentação.
"Já está com a mãe a semana toda e também é importante que haja tempo com o pai. Agora, acho que tem de se ver as alternativas e perceber que pode não ser o momento exato para a criança ficar sem conseguir ser alimentada da melhor forma. Já come outros alimentos, mas convém acautelar que não sofre", alerta Isabel Reinaldo.
Sensatez é o segredo
Caldas Afonso apela, por isso, a "sensatez", sobretudo até os bebés completarem três meses, quando a importância do leite materno é maior. "Numa situação nua e crua, que possa de facto pôr em causa o aleitamento materno, devemos ser cautelosos", sustenta.
Nesse trimestre, sugere, a opção pode ser a realização de visitas em casa por parte do pai. E exemplifica, pela negativa, com uma mãe que acompanha e que tem sido obrigada a esperar no carro para, quando o bebé chora, o amamentar.