Ex-presidente do BPP encontrado morto na cela antes de ir a tribunal para ficar sem advogada. Património usado para indemnizar lesados e pagar dívidas.
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No dia em que iria a tribunal e ficaria sem a sua advogada, por não ter conseguido pagar os seus serviços, João Rendeiro morreu na perigosa e sobrelotada cadeia onde estava preso preventivamente desde dezembro de 2021. As circunstâncias da morte do fundador do Banco Privado Português (BPP) são classificadas como estranhas pelo advogado que o defendia em Portugal, Abel Marques, e serão investigadas pelas autoridades da África do Sul. Mas os indícios apontam para que ele se tenha enforcado, após ter sido transferido provisoriamente para uma cela diferente daquela que partilhava com cerca de 50 reclusos.
Com a morte de Rendeiro, extingue-se toda e qualquer responsabilidade criminal do banqueiro, cujo património será, no entanto, usado para indemnizar os lesados do BPP.
"Ele matou-se", referiu, sexta-feira de manhã, a advogada sul-africana que tratava do processo de extradição de Rendeiro. Ao JN, June Marks explicou que o ex-banqueiro foi encontrado sem vida horas antes de ser levado ao Tribunal de Verulam, para que fosse nomeado um advogado oficioso. "Pedi para deixar de ser sua advogada, porque ele não tinha mais fundos para pagar os meus serviços. Ele explicou as razões para tal ter acontecido, mas são confidenciais", acrescentou.
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Marks contou, também, que o cadáver de Rendeiro foi descoberto na cela para onde fora transferido na quinta-feira, como é habitual sempre que um recluso se desloca ao tribunal. "Sei apenas que ele não estava sozinho nessa cela. Estou à espera das conclusões da investigação", avança, garantindo que Rendeiro nunca lhe transmitiu a vontade de se suicidar.
Abel Marques, advogado que defendia os interesses do ex-presidente do BPP em Portugal, admitiu que, após a fuga de Portugal, João Rendeiro chegou a pensar em matar-se e que disso deixou vários sinais. "Inclusive na entrevista que deu, na qual disse que não voltaria a Portugal. Tinha a ideia de liberdade ou morte", lembrou.
Contudo, Abel Marques assegurou que, atualmente, nada fazia prever que o ex-banqueiro decidisse pôr termo à vida. "Não andava nervoso, nem deprimido. É possível que as condições em que estava detido e o facto de ter ficado, recentemente, sem advogada tivessem alterado o seu estado emocional, mas nunca falou em suicídio", relatou.
Neste contexto, Abel Marques classificou de "estranho" o modo como João Rendeiro morreu numa cela de Westville. "Ele ter-se matado neste momento é estranho", repetiu. O causídico, que ontem ainda não tinha conseguido contactar as autoridades sul-africanas, alegou que, perante o cenário descrito, "é fundamental saber o que se passou" e vai exigir uma investigação rigorosa ao caso.
Destino dos bens
Com a morte de João Rendeiro, explicou o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Adão Carvalho, "toda a responsabilidade criminal fica resolvida" e o antigo presidente do BPP não será condenado por mais nenhum crime. "Mas a responsabilidade cível", declarou o procurador, mantém-se, o que significa que o património de Rendeiro será usado para liquidar dívidas ou indemnizações aos lesados do BPP.
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"Os herdeiros serão chamados ao processo e terão de cumprir os deveres do arguido", referiu. Segundo o presidente do SMMP, o "património que se encontra arrestado manter-se-á arrestado". E o mesmo sucederá com "o que vier a ser apurado como mais património". Mesmo que seja dinheiro depositado em contas offshore escondidas em paraísos fiscais. "Onde está o dinheiro não é relevante, o que é necessário é demonstrar que integrava o património do arguido. Se se provar que lhe pertencia, pode-se intentar ações judiciais para garantir que é utilizado no pagamento das obrigações do falecido", sustentou.
Adão Carvalho alegou, ainda, que "o património será, em primeiro lugar, para pagar dívidas e só depois, e no caso de sobrarem alguns bens, é que beneficiará os herdeiros".
Estes, no entanto, não serão penalizados nos seus bens pessoais. "O património pessoal dos herdeiros não pode ser usado para pagar as dívidas do falecido", assegurou. E, para evitarem questões judiciais, os herdeiros, com a esposa à cabeça, podem simplesmente, como permite a lei, renunciar às casas, terrenos, 124 obras de arte e 1,5 milhões de euros em dinheiro que pertenciam a Rendeiro.