Rui Pinto assumiu esta segunda-feira, em tribunal, que o modo como em outubro de 2015 exigiu dinheiro a Nélio Lucas, à data diretor-geral da Doyen Sports, para deixar de fazer publicações sobre o fundo de investimento na plataforma Football Leaks pode configurar uma tentativa de extorsão.
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O crime é um dos 90 por que está a ser julgado, há mais de dois anos, em Lisboa. Os restantes 89 são ilícitos informáticos.
"Nunca tive a consciência de que aquilo poderia constituir um crime de extorsão. Hoje em dia, reconheço que o comportamento que tive pode ser enquadrado num crime de extorsão na forma tentada", afirmou Rui Pinto, num depoimento em que, a cada incongruência detetada pelo tribunal, classificou o que se passou então como "uma trapalhada".
"No fundo, se calhar esteve toda a gente nesta trapalhada e ninguém percebeu o que estava a fazer. E tudo ingenuamente", ironizou, no final, a presidente do trio de juízes, Margarida Alves.
Queria um encontro, diz
No segundo dia do interrogatório, o hacker autointitulado denunciante começou por confirmar que, dias depois de o Football Leaks ter nascido, abordou Nélio Lucas, apresentando-se como Artem Lubozov e usando um e-mail russo.
"Hoje em dia, não me reconheço nisto, foi uma trapalhada de todo o tamanho. [...] Isto foi tudo uma infantilidade. Nem sequer imaginava que Nélio Lucas ia responder", sublinhou.
O então diretor-geral da Doyen Sports retorquiu e, a partir daí, os contactos foram-se sucedendo-se, com Rui Pinto a fazer-se representar pelo advogado Aníbal Pinto, igualmente acusado de um crime de tentativa de extorsão. O objetivo final seria ter "uma conversa cara a cara" com Nélio Lucas, fora de Portugal e com a sua identidade protegida. O desejo terá nascido do facto de ter descoberto um alegado "esquema de desvio [de dinheiro] do Futebol Clube do Porto", do qual é adepto.
A Aníbal Pinto, terá dito apenas que o à data dirigente da Doyen Sports queria contratá-lo para detetar vulnerabilidades no sistema informático do fundo. O suposto contrato terá chegado a ser discutido por Aníbal Pinto, Nélio Lucas e o advogado deste, Pedro Henriques, num encontro na área de serviço de Oeiras, na A5.
"Houve aqui uma altura em que balancei mesmo, em que pensei aceitar esse acordo com Nélio Lucas", admitiu, associando esse estado de espírito ao facto de, na altura, sentir que era a pessoa do grupo por trás do Football Leaks "que estava a dar mais ao projeto".
Um mês após o primeiro contacto desistiu, contudo, da negociação, tendo sido aconselhado por Aníbal Pinto - que já falara na possibilidade de se tratar de uma extorsão - a formalizar a intenção por escrito. O contrato nunca foi assinado.
O depoimento prossegue na próxima segunda-feira, 24 de outubro de 2022.
PORMENORES
"Amigo" acedeu
Rui Pinto garantiu que foi um dos "amigos" no Football Leaks que acedeu ao sistema da Doyen Capital - e não da Doyen Sports - em Londres, (Reino Unido). O português, de 33 anos, estaria em contacto durante a ação, a partir da Hungria.
Site bloqueado
O mentor do Football Leaks atribuiu a paragem de publicações sobre a Doyen durante a negociação com Nélio Lucas a bloqueios decretados pelo site, na sequência de denúncias.
"Interesse público"
Rui Pinto reiterou que os documentos divulgados tinham "interesse público", nomeadamente por mostrarem cláusulas inscritas pela Doyen Sports na transferência de jogadores.