Juiz negociou aulas em Angola por 300 euros à hora. Violava dever de exclusividade com atividades paralelas à vista de todos, mas não foi travado.
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O juiz desembargador Rui Rangel informou o Conselho Superior da Magistratura (CSM) de que não tinha sido pago pela formação ministrada no Tribunal Constitucional de Angola, depois de andar a negociar honorários de cerca de 300 euros à hora, para um total de 120 horas.
A negociação foi feita com a Merap Consulting Lda., empresa do angolano Eliseu Bumba que tinha uma parceria com o Ministério da Justiça de Angola para dar formação na área do Direito, e também envolveu a juíza Fátima Galante, mulher de Rangel que, porém, acabou por não ministrar a formação.
A acusação da Operação Lex, que imputa 21 crimes a Rangel, reporta vários negócios com Bumba e não precisa o valor pago em particular pela formação no Tribunal Constitucional em 2014. Mas contabiliza transferências de pelo menos 25 mil euros, entre 2012 e 2014, para uma conta de Bernardo Santos Martins, filho do advogado tido como testa de ferro de Rangel, e o pagamento de mais de 111 mil euros em rendas da casa onde morava Rangel, entre 2013 e 2015. Estas rendas, de 3500 euros por mês, eram pagas pela Merap, Materiais de Construção, também de Eliseu Bumba.
CM e RTP pagaram 111 mil
Em 2015, Rui Rangel escreveu uma carta ao CSM a garantir que dera a formação em Angola à borla, porque os juízes estão vinculados ao dever de exclusividade.
Mas este dever não impediu Rui Rangel de desenvolver ainda outro tipo de atividades remuneradas e com visibilidade pública. Entre 2006 e 2012, foi comentador de assuntos de justiça no "Correio da Manhã", e, entre 2012 e 2014, fez o mesmo na RTP, tendo recebido 50 mil euros da televisão pública e mais de 61 mil na Presselivre, pelos comentários naquele jornal.
Não obstante, só em processo disciplinar concluído no final de 2019, resultante já da Operação Lex e em que lhe foi aplicada a pena de demissão, é que o CSM decidiu censurar o juiz por aquelas atividades. "Com as colaborações remuneradas que prestou à Presselivre e à RTP, violou o dever de dedicação exclusiva e a imagem de imparcialidade dos juízes", escreveu o órgão disciplinar, 15 anos depois das primeiras colaborações.
O juiz fazia-se pagar, pelos seus comentários, a título de direitos de autor, mas o CSM concluiu que tal não é aplicável a "quem escreve com regularidade nos jornais ou faça comentário televisivo".