Em apenas ano e meio, 41 empresas foram usadas para criar um gigantesco circuito de faturas fictícias e lesar o Fisco em mais de dez milhões de euros.
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A rede era composta por 16 arguidos e liderada por pai e filho. Compravam telemóveis sem IVA em estados-membros da União Europeia sem hesitar em vendê-los em Portugal a um preço inferior ao de custo, porque o objetivo era apenas defraudar o Estado. Os indivíduos e as empresas foram agora acusados de associação criminosa e fraude fiscal qualificada.
De acordo com a acusação do Ministério Público (MP), Pawan Kumar, 49 anos, atualmente em prisão domiciliária, e o filho Akshiv, de 21, ambos residentes na Charneca de Caparica, Almada, criaram um esquema de carrossel do IVA, que consiste em comprar e vender os mesmos bens em circuito fechado entre as mesmas empresas para no final ficar com o IVA que deveria ser entregue à Autoridade Tributária. É um sistema de emissão e troca de faturas, apenas em termos contabilísticos, que nunca tem correspondência real em termos de transação.
Para isso, os arguidos criaram ou assumiram o controlo de 41 empresas que tinham três tipos de funções. Segundo o MP, algumas assumiam a posição de "sociedades ecrã" ou "sociedades táxi". Eram empresas com existência jurídica, mas sem existência de facto que, colocadas no início da cadeia, compravam ou simulavam a compra dos telemóveis, provenientes de outros estados-membros da União Europeia, com taxa de 0% de IVA. Essas sociedades vendiam depois os equipamentos a um preço inferior ao de custo. Ficavam com o IVA liquidado.
22 sociedades
Também criaram "empresas-tampão". São sociedades que também não tinham atividade comercial efetiva e que serviam apenas de válvula de segurança entre as "sociedades ecrã" e os clientes da rede. A função era apenas emitir mais faturas.
"Brokers" era o terceiro tipo de empresas criadas no esquema. Escoavam de facto a mercadoria para os clientes finais. E recebiam o IVA que nunca foi entregue ao Fisco.
Na prática, os arguidos compraram telemóveis, por valor de milhões de euros, a 22 sociedades situadas na Alemanha, Áustria, Eslováquia, Espanha, Itália, Países Baixos, Polónia e Reino Unido. Uma das transações foi de 3,9 milhões de euros em equipamentos adquiridos, sem IVA, a uma empresa inglesa por uma das sociedades da rede. Depois de importado o material, a firma "vendeu-o", por apenas 3,8 milhões, a uma "empresa-tampão", com 888 mil euros de IVA, que, por sua vez, revendeu a outra sociedade da rede, desta vez uma "empresa broker", por 3,9 milhões com 898 mil euros de IVA. Esta última firma transacionou de facto os equipamentos a revendedores ou clientes finais, com IVA, que nunca entregou ao Estado. Só neste único negócio a rede embolsou 888 mil euros em imposto.
Ao longo dos meses, os arguidos aperfeiçoaram o esquema colocando cada vez mais sociedades que apenas serviam de veículo de faturas, entre o importador e o cliente final.
Preso em casa
O principal arguido, Pawan Kumar foi colocado em prisão preventiva, em junho do ano passado, aquando da detenção. Há dois meses foi para casa, com vigilância eletrónica.
Indemnização
O Ministério Público deduziu um pedido de indemnização cível de 10,2 milhões de euros, que corresponde ao valor do prejuízo sofrido pelo Estado.
PJ e AT investigam
A investigação foi desenvolvida pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ e pela Direção de Serviços de Investigação da Fraude e Ações Especiais da AT.
Um dos advogados dos arguidos, contactado pelo JN, disse que irá requerer a abertura de instrução do caso. "Os arguidos que represento colaboraram com o Ministério Público e com a Polícia Judiciária desde o início do inquérito e será essa a postura que manterão até ao final do processo. Irei requerer a abertura de instrução exclusivamente porque entendo que existem algumas factualidades no despacho de acusação que não retratam a verdade dos factos pelos quais os arguidos foram acusados e que se impõe esclarecer nesta fase", explicou Lopes Guerreiro (na foto), defensor de dois arguidos.