Proteção é oferecida pela plataforma eletrónica, mas juristas dividem-se quanto ao facto de o seguro provar a existência de relação laboral.
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A família de um estafeta que morreu num despiste de moto, quando realizava uma entrega ao domicílio em Gaia encomendada através de uma plataforma eletrónica, vai receber uma indemnização de cerca de 50 mil euros.
A compensação será paga por um seguro que a Uber, um dos gigantes do setor, disponibiliza a todos os seus colaboradores. E se há quem defenda que este seguro não prova a existência de uma relação laboral, também há juristas a sustentar que o mesmo pode, agregado a outros, sustentar a tese de que um estafeta é um trabalhador ao serviço das empresas.
A discussão em torno desta questão levou, ainda ontem, o Governo espanhol a anunciar alterações ao Código do Trabalho, que atribuem uma proteção social maior a estes profissionais ao lado.
Evandro Damakoski, brasileiro de 44 anos, chegou a Portugal à procura de melhores condições de vida e depressa passou a fazer entregas ao domicílio para a Uber. E era essa tarefa que desempenhava quando, na madrugada de 7 de julho do ano passado, se despistou na Avenida Infante D. Henrique, em Gaia. Pai de três filhos, a residir em Canidelo, Evandro ainda foi assistido pela emergência médica, mas faleceria pouco depois.
A morte consternou os colegas, que realizaram uma marcha lenta em homenagem ao homem descrito como "bom trabalhador" e um "bom amigo". Muitos apontaram o número excessivo de horas de trabalho como um dos fatores a contribuir para o acidente. Logo a seguir, a família acionou o seguro disponibilizado pela Uber e, oito meses depois, foi informada de que irá ser compensada com uma quantia a rondar os 50 mil euros. O JN apurou que a negociação com a seguradora foi difícil e feita diretamente por um escritório de advogados em França com a sede da AXA, em Paris.
Dúvidas jurídicas
A Uber justifica a oferta do seguro com o facto de querer ajudar o estafeta "a proteger-se contra o risco de custos elevados ou a perda de rendimentos". O advogado Tiago Pestana Vasconcelos afirma, contudo, que esta "regalia" poderá ser uma forma de evitar a discussão em torno da existência de uma relação laboral. "Ao ser ressarcida, a família já não recorre a tribunal para apurar que tipo de relação existia entre a empresa e o prestador de serviços", refere. O especialista em Direito do Trabalho declara, também, que este seguro "não é suficiente para provar uma relação laboral" entre as partes. Até porque, diz, este tipo de situações devia ser regulado por uma nova "figura jurídica", uma espécie de "terceira via" entre o contrato de trabalho e a prestação de serviços, que "reconheça alguma proteção social" aos estafetas.
Já Paulo Pimenta, presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, vai mais longe. "Há indícios de que poderá haver uma ligação laboral e o seguro é um deles. Admito que se um dos estafetas recorrer a tribunal pode ter sucesso no reconhecimento dessa relação laboral", frisa. Pimenta alerta, no entanto, "que é possível uma entidade atribuir um seguro a sujeitos que não tenham estatuto de trabalhador".