As mensagens utilizadas como prova de que ex-ministro da Defesa sabia da encenação de Tancos foram recuperadas em julho. Governante já fora ouvido pela PJ, mas só o MP quis que fosse arguido
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As mensagens trocadas a 18 de outubro de 2017 entre o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro e o então ministro da Defesa José Azeredo Lopes - em que este admite saber que o armamento furtado de Tancos estava para ser recuperado, mas acrescenta que não poderia dizer isso no Parlamento - foram essenciais para a Polícia Judiciária (PJ) sustentar que o ex-governante dera cobertura institucional à encenação.
Até à descoberta das SMS, em julho deste ano, só o Ministério Público (MP) considerava o ex-ministro suspeito. Isto apesar de este ter sido inquirido na PJ duas semanas antes de ser constituído arguido, por decisão exclusiva dos procuradores do MP.
De acordo com a documentação que consta do processo - consultado pelo JN -, Azeredo Lopes foi ouvido na manhã de 21 de junho pelos inspetores da Judiciária e procuradores do MP que investigavam o furto e achamento do material desaparecido de Tancos, ocorridos, respetivamente, a 28 de junho e 18 de outubro de 2017.
Naquele mesmo dia, a PJ concluiu um relatório intercalar das suas diligências, que remeteu três dias depois para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e no qual propunha a constituição como arguidos de Nuno Reboleira, coordenador do Laboratório da Polícia Técnica Científica da Polícia Judiciária Militar (PJM), Taciano Correia, diretor de Investigação Criminal da GNR à data do roubo, e Amândio Marques, seu sucessor no cargo. Azeredo Lopes não constava dessa lista da Judiciária.
Telemóvel apreendido
O documento mereceu a concordância dos procuradores titulares do inquérito, que, no entanto, argumentaram, numa promoção ao juiz de instrução de 26 de junho, que também o ex-ministro da Defesa deveria ser interrogado e constituído arguido. Foi durante essa diligência que o telemóvel pessoal de Azeredo Lopes acabou por ser apreendido e o seu conteúdo posteriormente copiado.
Só depois de analisarem os dados é que, num novo resumo do expediente datado de 2 de agosto, os inspetores da PJ defenderam, pela primeira vez, que a encenação montada por elementos da PJM e da GNR decorrera com a cobertura institucional do então ministro da Defesa.
Na origem da mudança de posição esteve a resposta de Azeredo Lopes a uma mensagem do deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro, em que este se congratulava com a recuperação do material militar, no próprio dia em que acontecera. "Eu sabia", respondeu por SMS o governante, acrescentando que não poderia dizer ao Parlamento o que lhe estava a contar.
A conversa foi a única, de tudo que terá sido analisado no telemóvel pela PJ, transcrita no relatório intercalar de 2 de agosto e é uma das provas invocadas pelo MP para acusar Azeredo Lopes de dois crimes de denegação de justiça (um deles em coautoria com outros arguidos), um de favorecimento pessoal (também em coautoria) e um outro de abuso de poderes.
Na acusação, os procuradores frisam ainda que o ex-ministro ordenou que as equipas de neutralização do Exército estivessem prontas para intervir, após ter alegadamente tomado conhecimento de que a recuperação do armamento ocorreria em breve. Azeredo Lopes nega todas as acusações.
Reação
"Reitero que nunca fui informado"
No interrogatório de 21 de junho, que terá sido interpretado de forma distinta por PJ e MP, o ex-ministro da Defesa negou que o seu chefe de gabinete lhe tenha transmitido a informação, duas semanas antes do achamento, de que a recuperação do material estaria para breve. Já após ser acusado pelo MP, Azeredo Lopes reagiu dizendo que a acusação é "eminentemente política" e sem provas. "Reitero que nunca fui informado, por qualquer meio, sobre o alegado encobrimento", afirmou.
Processo
Furto e encenação
O inquérito dirigido pelo DCIAP abrange duas ocorrências: o furto, a 28 de junho de 2017, de armamento de Tancos e o achamento encenado do material, na Chamusca, a 18 de outubro do mesmo ano.
Mais de 20 arguidos
O MP acusou, no final de setembro, 23 pessoas, entre os quais o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes e o ex-diretor da Polícia Judiciária Militar, Luís Vieira.
Nove ladrões
Azeredo Lopes e Luís Vieira são dois dos 14 arguidos, incluindo militares da GNR, suspeitos de participar na encenação. Os restantes nove terão executado o furto.