O ex-primeiro-ministro José Sócrates (2005-2011) assegurou esta terça-feira, em tribunal, que "não sabia" que Manuel Pinho estava a receber dinheiro do Banco Espírito Santo (BES) durante os quatro anos em que foi ministro da Economia no seu Governo, de 2005 a 2009.
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"No meu espírito, ficou a ideia que ele não ia sair do banco como interrompendo a sua carreira no BES, mas que iria resolver o seu contrato. Isso era o que estava implícito nas nossas conversas", afirmou, enquanto testemunhava, no julgamento de Manuel Pinho, o antigo chefe de Governo, ressalvando que ficou "feliz" por saber que em causa estão "quantias" devidas pela instituição financeira pelo afastamento do economista da coordenação da área de mercado de capitais do BES.
O desabafo ditou um alerta da presidente do trio de juízes. "Isso é uma das questões sobre as quais o tribunal se irá pronunciar", apontou Ana Paula Rosa.
O antigo ministro da Economia está a ser julgado por ter alegadamente recebido, entre 2005 e 2012 e através de offshores, cerca de cinco milhões de euros do então presidente do BES, Ricardo Salgado, para beneficiar, enquanto exerceu funções governamentais, a instituição financeira e o Grupo Espírito Santo (GES). Os arguidos negam e, esta terça-feira, José Sócrates assegurou que "nunca sentiu" que Manuel Pinho fosse, nas palavras da defesa do economista, o "homem do BES dentro do Governo".
"Nunca intercedeu junto de mim para defender qualquer interesse do BES ou exercer qualquer pressão que pudesse ser entendida como simpatia para o BES", testemunhou José Sócrates, sublinhando que "todos os membros do Governo" podem confirmar que assim foi.
Próximo de Salgado é "mistificação histórica"
José Sócrates rejeitou ainda que tenha sido Ricardo Salgado a impor a nomeação, em 2005, de Manuel Pinho para a pasta da Economia. "É uma mistificação histórica absolutamente escandalosa que eu era próximo do Dr. Ricardo Salgado", reiterou, acrescentando que Manuel Pinho já colaborava com o PS quando decidiu, enquanto secretário-geral do partido, que aquele seria o porta-voz para os assuntos económicos e, caso ganhasse as eleições, ministro.
O antigo primeiro-ministro salientou, de resto, que quando conheceu Manuel Pinho - à saída de um jogo de futebol no Euro 2004, apresentado pelo agora primeiro-ministro demissionário, António Costa - desconhecia que este "exercia funções no BES". "Era apenas o economista Manuel Pinho", salientou.
Não muito tempo depois ficou a sabê-lo e, quando convidou Manuel Pinho para ser porta-voz do PS para os assuntos económicos, este disse-lhe que aceitara o convite contra o desejo de Ricardo Salgado. "Senti-me responsável e disse-lhe: 'não quero causar-lhe nenhum problema na sua vida e gerar um ambiente de mal-estar entre vocês'. E ele disse-me: 'Não tem a ver com isso, já vem de trás", contou.
O economista acabaria por abandonar o Governo em 2009, depois de, durante um debate no Parlamento, ter feito o sinal de chifres na direção da bancada do PCP. Esta terça-feira, Sócrates admitiu que se "arrependeu" de ter permitido a demissão. "Deixou entre mim e o Manuel Pinho uma certa ferida", desabafou o socialista.
Já em 2010, José Sócrates sondou o seu ex-ministro da Economia para ser governador do Banco de Portugal, mas este recusou. "Disse-me: 'olhe, eu estive a pensar, não quero mais cargos de nomeação política", recordou.
Manuel Pinho, de 69 anos, está acusado pelo Ministério Público de corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal, enquanto Ricardo Salgado, de 79 e diagnosticado com Alzheimer, responde por corrupção ativa e branqueamento. A mulher do ex-ministro da Economia, Alexandra Pinho, é igualmente arguida, por branqueamento e fraude fiscal. O julgamento prossegue em janeiro de 2024, com a audição de mais testemunhas.