Dezenas de clientes obrigados a provar que, com mais informação, não aplicariam capital investido. Decisão contraria acórdãos anteriores.
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Uma decisão controversa que dividiu os juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) deixa dezenas de lesados do Banco Português de Negócios (BPN) à beira de nunca conseguirem reaver o dinheiro que investiram há mais de uma década, alegadamente ao engano, em obrigações emitidas pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN), à data proprietária do banco privado.
Em causa está o facto de os juízes conselheiros terem definido, ao uniformizar a jurisprudência, que mesmo os investidores não qualificados têm, para ser ressarcidos em tribunal, de "provar que a prestação de informação devida" os "levaria a não tomar a decisão de investir". Até agora, a presunção da ligação entre a burla e o perda do capital tinha sido, em muitos casos, suficiente para o EuroBic - que em 2011 comprou, enquanto BIC, o BPN, nacionalizado em 2008 - ser condenado a restituir a quantia aplicada.
solução "mais penosa"
"A prova do ilícito sempre teve de ser feita. [Quanto ao nexo de causalidade], havia duas teses, e vingou aquela que é mais penosa para o lesado", lamenta ao JN Eugénio Marinho, advogado de vários ex-clientes do banco. O causídico estima que, com esta decisão, "90%" dos mais de 100 lesados ainda com processos em curso perderão as ações intentadas contra o EuroBic.
As obrigações subordinadas são um instrumento que permite ao investidor auferir juros regulares superiores aos dos depósitos a prazo, e obter, no final, o reembolso do total do capital aplicado. Só que, se o emitente falir, como sucedeu à SLN, o subscritor é dos últimos a serem ressarcidos.
No BPN, os queixosos receberam, até 2015, os juros, mas nunca recuperaram o valor inicial, raramente inferior a 50 mil euros e, por vezes, correspondente às poupanças de toda a vida.
Só entre janeiro de 2018 e dezembro de 2020, o Tribunal da Relação de Lisboa apreciou pelo menos 20 processos, dos quais 16 ganhos pelos lesados e quatro pelo EuroBic. Doze tinham sido decididos de forma oposta pela primeira instância, permitindo, por isso, recurso para o STJ. Atendendo às diversas interpretações da lei, a maioria dos processos ficou a aguardar a fixação da jurisprudência, o que ocorreu a 6 deste mês. Cada ação judicial será, agora, decidida em conformidade.´
Os ex-clientes do BPN têm alegado que, aquando da subscrição das obrigações a dez anos, pensaram estar a fazer uma espécie de depósito a prazo, seguro e mais rentável. Já o EuroBic tem dito que a hipótese de insolvência é um risco alheio às características do produto e, por isso, a informação então prestada foi suficiente.
reclamação a caminho
No acórdão, o STJ estabelece que, quando o cliente não queira aplicar dinheiro em produtos de risco nem saiba avaliá-lo, o banco, enquanto intermediário financeiro, falta ao dever de informação se só referir que o reembolso é garantido, sem explicar o que são obrigações subordinadas. Mas ressalva que, mesmo nesse caso, o lesado tem de demonstrar a causalidade entre o ilícito e o dano sofrido.
Marinho vai requerer ao STJ que os processos possam voltar aos tribunais cíveis para que tal seja provado. Admite, contudo, que tem "muito pouca esperança" em que o pedido seja aceite. "Os lesados vão, efetivamente, ficar lesados".
A jurisprudência agora definida poderá ainda aplicar-se a lesados de outros bancos falidos, que optem pela via judicial para reaver capital. O caminho não tem, porém, sido esse.
Reação
Advogado lamenta "tratamento desigual" face ao BES e ao Banif
O advogado Eugénio Marinho queixa-se de "tratamento desigual" dos lesados do BPN face aos do BES e do Banif, que poderão vir a ter acesso a fundos de recuperação de créditos. A solução começou a ser recentemente trabalhada com o Ministério das Finanças, o Banco de Portugal e a Comissão de Mercados de Valores Mobiliários. Muitos dos lesados são também ex-clientes não qualificados que investiram, em parte, em obrigações subordinadas. "O Governo também devia olhar para estes casos dos lesados do BPN", defende o causídico. Muitos já conseguiram, ainda assim, reaver em tribunal, antes do atual acórdão, o capital perdido.
À margem
5,2 mil milhões
de euros de prejuízos causados, até outubro de 2020, pela nacionalização e reprivatização do BPN. Em causa, a quantia emprestada pelo Estado às empresas públicas que herdaram ativos tóxicos do banco, falido em 2008.
Morreu sem ir preso
Oliveira e Costa, líder do BPN entre 1997 e fevereiro de 2008, foi detido dias após a nacionalização do banco, por burla, branqueamento e fraude fiscal. Em 2017 e 2018, foi condenado a um total de 27 anos de prisão, mas morreu em 2020, antes de começar a cumprir pena. Tinha 84 anos.
"Boas práticas"
Em fevereiro deste ano, o EuroBic assegurou que "cumpre com as boas práticas impostas" pelo regulador e pela Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM).