"Surtei!": mulher admite ter dado 12 facadas a companheiro que continua a querer casar
Uma mulher de 36 anos confessou esta manhã de quinta-feira, no Tribunal de Matosinhos, que agrediu e esfaqueou o então companheiro por 12 vezes. A vítima, de 55 anos, sobreviveu. Perdoou a agressora e mantém vontade de casar com ela. "Fui a Fátima em fevereiro rezar por nós", revelou.
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A arguida, acusada de um crime de homicídio qualificado na forma tentada e ameaça, não soube explicar o que aconteceu. “Surtei”, desabafou Poliany, garantindo que está arrependida e que só quer regressar para junto da família e da filha no Brasil. O Ministério Público pediu pena de prisão efetiva. Já a defesa considera que a suspensão de pena será suficiente, uma vez que já está presa há mais de um ano e quer regressar ao Brasil, sua terra natal.
Os factos ocorreram a 14 de agosto de 2024. Após mais uma discussão com o companheiro, Poliany pegou numa faca e esfaqueou o companheiro, um imigrante chinês conhecido por “Miguel”, nas escadas do apartamento onde moravam, em Santa Cruz do Bispo, Matosinhos. Depois, a mulher foi para o quarto e também se golpeou. Nenhum chegou a correr perigo de vida.
Discussão "virou bola de neve"
Poliany foi detida e acusada de tentativa de homicídio qualificado e ameaça. Esta manhã, perante o coletivo de juízes, entre lágrimas, mostrou-se arrependida. Explicou que tiveram uma discussão que “virou bola de neve”, ficou com raiva, descontrolou-se e golpeou o companheiro. “Não era mais a Poliany. Não tinha noção”, garantiu.
A arguida explicou que veio para Portugal em 2022. Arranjou emprego no bazar de Miguel e duas semanas depois começaram a namorar. Ele estava a divorciar-se e alugou-lhe um apartamento no centro de Matosinhos. “Pagava tudo para mim, mas só ia lá fazer visitas”, contou. Poliany diz que Miguel não queria que ela trabalhasse, nem que saísse de casa. “Chegou-me a dizer que era perigoso e que eu podia acabar num contentor. Fui-me afastando das amizades e fiquei isolada. Entrei em depressão. Estava medicada e só me dava vontade de dormir. Dependia dele em tudo. Não tinha conhecidos ou família”, afirmou.
Poliany e Miguel discutiam muito e trocavam insultos, ameaças e “bofetadas”, admitiu ela. A acusação sustenta que as agressões ocorreram por ciúmes de Poliany, mas a arguida diz que não é verdade, pelo contrário. “Suspeitava que ele me traía e me mentia. Ele espiava-me e sabia tudo o que eu fazia”
Fugiu para o Brasil mas ele foi ter com ela
Em abril de 2024, Poliany mentiu. Disse que o pai estava doente e que tinha de voltar para o Brasil. “Ele não queria que eu fosse. Em julho foi ter comigo. Disse aos meus pais que queria casar comigo. Prometeu que íamos morar juntos e que podia levar a minha filha que estava no Brasil”. Poliany aceitou regressar.
Ficaram os dois a morar por cima do bazar. “Havia dias em que nos dávamos bem. Outros tínhamos crises. Eu não tinha privacidade porque também moravam lá as funcionárias e mais um empregado chinês. Ele disse que era só até arranjarmos um apartamento. ”, relatou Poliany.
No dia das agressões, tinham combinado ver apartamentos e ir à advogada tratar da legalização de Poliany. “Tivemos uma discussão que começou na loja porque ele queria contratar mais uma funcionária. Eu disse que era melhor contratar um homem até por motivos de segurança. Ele achou que eu queria mandar na loja e começou a humilhar-me”. Depois de se acalmarem, subiram ao apartamento e foram almoçar.
"Apavorei-me. Pensei que ia viver o mesmo inferno"
Entretanto, começou nova discussão. Miguel disse que já não ia à advogada e não queria mais o apartamento. “Fiquei com muita raiva. Apavorei-me. Pensei que ia voltar a viver o mesmo inferno e que ia voltar a ficar presa na casa. Estava muito descontrolada. Surtei! Só me lembro que peguei na faca, desci as escadas atrás dele e esfaqueei-o. Depois fui para o quarto e também me golpeei. Só queria morrer e desistir de tudo”, contou a chorar.
Poliany garantiu que agora só quer a possibilidade de ir ter com a mãe, o pai e a filha. “Gosto muito daqui, mas nunca devia ter regressado. Esse relacionamento tóxico fez-me mal. Quero voltar à minha vida no Brasil e ter a ajuda de um psicólogo”, apelou.
"Eu perdoo a ela tudo. É a minha namorada"
Miguel confirmou que viviam como um casal quando aconteceram os factos. Atualmente não mantêm contacto porque Poliany está presa.
“Eu perdoo a ela tudo. É a minha namorada. Eu queria casar e ainda mantenho essa ideia. Fui a Fátima em fevereiro rezar por nós”, revelou, escusando-se depois a responder às perguntas do tribunal, um direito que lhe assiste por ter vivido em situação análoga à dos cônjuges com a arguida.
MP pediu pena efetiva de prisão. Defesa pede suspensão
Nas alegações finais, o procurador do Ministério Público considerou que, não obstante o ofendido não ter prestado declarações, os factos da acusação resultaram provados. E realçou que apesar de não terem sido afetados órgãos vitais e ofendido nunca ter corrido perigo de vida, a intenção de matar fica clara por três motivos: os locais onde foi atingido (pelas costas e junto ao pescoço), o objeto utilizado (faca) e o número de facadas (12). Portanto, apelou a uma pena efetiva de prisão, sem, contudo, especificar a sua duração.
A defesa realçou a colaboração da arguida e a sua confissão praticamente sem reservas de todos os factos. Lembrou a avaliação psiquiátrica da arguida que lhe determina “imputabilidade diminuída” e assegura que nunca houve intenção de matar. “Foi o resultado de uma relação tóxica, de uma pessoa que não tem ninguém em Portugal e que vivia em dependência emocional e financeira. Houve um crescendo de conflitos na relação e atingiu-se um resultado expectável”, afirmou João Ferreira Araújo.
O advogado de Poliany lembrou que a sua cliente foi detida e depois libertada após ter-se excedido o prazo de detenção. Podia ter fugido, mas ficou cinco dias numa pensão à espera das autoridades, o que mostra a sua boa fé. “A senhora quer ir embora. A relação terminou aqui e agora. As boas intenções do Miguel são dele. Atendendo ao tempo que já está presa, não chocaria ninguém que fosse condenada a uma pena suspensa na sua execução”, adiantou João Ferreira de Araújo. A sentença será conhecida daqui a duas semanas.