Ameaça da covid-19 tirou mais de dois mil das prisões, através de perdões e licenças. Direção-Geral faz avaliação "particularmente positiva" da lei, que continua a separar a Esquerda da Direita.
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Apenas 24 dos 1314 indivíduos libertados das cadeias (1,8%) ao abrigo do perdão de penas previsto na lei 9/2020, que foi aprovada pela Assembleia da República perante a ameaça da pandemia de covid-19, reincidiram na prática de crimes e retornaram ao sistema prisional.
Somando aos perdões as 703 licenças extraordinárias e os 14 indultos presidenciais, constata-se que, ao longo de quatro meses, a nova lei franqueou as portas das cadeias a um total de 2031 reclusos, dos quais 4% foram forçados a regressar devido ao cometimento de novos crimes (os referidos 24 presos) e ao incumprimento de obrigações (59), por exemplo, de confinamento domiciliário.
"A Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais [DGRSP] tem como particularmente positiva a aplicação da lei 9/2020", avalia o organismo dirigido pelo magistrado do Ministério Público Rómulo Mateus, com base nos números compilados entre 11 de abril, data da entrada em vigor do diploma, e o final de julho.
No campo político-partidário, aparentemente, os quatro meses de execução da lei não mudaram nada de substancial: a Esquerda, que a aprovou, continua a defender a lei e a Direita, que votou contra, a contestá-la.
De qualquer modo, como observa o dirigente comunista Rui Fernandes, "os números desmentem aqueles cenários apocalípticos que foram desenvolvidos por algumas forças: de que era pôr cá fora bandidos que iam causar um pandemónio social".
Este alarmismo foi muito alimentado, na Assembleia da República e nas redes sociais, pelo Chega de André Ventura (que não respondeu ao pedido de comentário enviado pelo JN), mas não se concretizou nem nos números nem nas tipologias de crimes em que reincidiram 24 libertados.
Segundo a DGRSP, os retornos de 24 ex-reclusos à prisão "tiveram na sua génese, essencialmente, crimes patrimoniais (furto e roubos) e crimes rodoviários". "Ou seja, a mesma tipologia de crimes pelos quais estavam a cumprir pena quando foram libertados", assinala, sendo certo que condenados por crimes graves foram excluídos do perdão.
16 abdicaram de licenças
As licenças de saída administrativa extraordinária (LSAE), com duração de 45 dias e renováveis, permitiram a 713 reclusos trocar a cadeia pelo confinamento domiciliário, sem vigilância eletrónica. E a DGRS também invoca estas licenças em apoio do "balanço positivo" que faz da lei, por terem sido "revogadas só 59 em consequência de incumprimento de obrigações estabelecidas". Ainda assim, acrescenta que outras 13 não foram renovadas, por decisão do diretor-geral, "em função da conduta assumida pelo recluso e do contexto sanitário decorrente da doença covid-19".
Por outro lado, entre os beneficiários das LSAE, também houve cinco que regressaram voluntariamente à prisão e 11 que não consentiram na sua renovação. Tais opções ter-se-ão devido às dificuldades dos reclusos em subsistirem fora do meio prisional, numa altura em que o país estava meio-parado, em estado de emergência.
Ainda no capítulo das LSAE, 176 beneficiários das mesmas acabaram por ver-lhes concedida a liberdade condicional e/ou adaptação à liberdade condicional, 12 livraram-se do estatuto de reclusos por atingirem o fim de pena, cinco conseguiram o perdão do remanescente da pena e três um indulto especial, discrimina ainda a DGRSP, concluindo tratar-se de "números e situações que ilustram o generalizado cumprimento do que estava definido em lei".
Indultos bem-sucedidos
Além das LSAE, decididas pelo diretor-geral, e dos perdões e da adaptação à liberdade condicional, da competência dos tribunais de execução de penas, a lei previu a atribuição de indultos excecionais, pelo presidente da República, a reclusos com mais de 65 anos e doentes. Marcelo Rebelo de Sousa indultou 14. E, segundo a DGRSP, "nenhum retornou, até ao presente momento, ao sistema prisional".