Timorenses enganados: "Só queremos trabalho, para mandar dinheiro para a família"
Falta de emprego em Timor-Leste atira os seus cidadãos para Portugal. Alguns não escondem que foram enganados.
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O grupo de cerca de 15 timorenses está desejoso de começar a aprender a cortar vegetação com uma roçadora a gasolina, mas, afinal, nem tudo está a postos. "Estão quase todos de chinelos? Não pode ser, é perigoso", explica o formador, antes de os alunos começarem a correr em direção à coletividade onde alguns têm pernoitado em Donas, Fundão, para trocar de calçado.
O espaço, transformado numa camarata, é já um complemento ao Centro de Migrações do Fundão, a funcionar no antigo seminário. Um imóvel que, há cerca de um mês, dezenas de cidadãos de Timor-Leste partilham com refugiados oriundos da Ucrânia e do Afeganistão e estudantes dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) que já ali estavam alojados.
A maioria dos timorenses passou antes por Lisboa ou Serpa e muitos foram resgatados pela Câmara Municipal do Fundão de uma casa sem condições em Alcaria. Em comum têm o facto de, ao procurarem uma vida melhor em Portugal, terem acabado sem trabalho ou explorados na agricultura.
Entre eles, estão Laurindo Quintão, de 40 anos, e Herculano Ribeiro, de 29, do mesmo distrito em Timor-Leste e que, até terem decidido tentar a sorte do outro lado do Mundo, não se conheciam. Para trás, deixaram pais, mulheres e filhos.
"Ainda somos um país jovem, é difícil encontrar trabalho. O nosso Governo disse-nos que não há empregos suficientes", explica ao JN Laurindo Quintão, que, por falar inglês, atua como intérprete dos concidadãos, fluentes apenas em tétum.
Quando chegou com Herculano Ribeiro, foram para Beringel, Beja, onde ficaram numa habitação com migrantes indianos. Durante cinco dias, conta, trabalharam na agricultura, mas nunca chegaram a receber e, ao fim de um mês, decidiram ir para Beja. Depois seguiram para o Fundão.
Ali, conheceu Luís Tavares, de 38 anos, que acusa o "patrão" em Serpa de lhe ter exigido 200 euros para tratar dos documentos. Já Nicodemos Gomes, de 25, dirigiu-se logo ao Fundão, por sugestão de um "amigo", mas nunca conseguiu emprego. "Só queremos trabalho, para mandar dinheiro para a família", insistem.
Autarquias "no limite"
Para sair de Timor-Leste gastaram pelo menos três mil dólares, conseguidos, adianta Laurindo Quintão, com ajuda familiar ou recurso a agiotas. Asseguram todos que viajaram para Portugal sem pagar a ninguém.
Quem permanece em Serpa conta uma história diferente. Mariana e Bendita Belo, irmãs de 38 e 37 anos, fazem parte de um grupo de 23 timorenses a residir há dois meses numa casa na sede do concelho alentejano. "Paguei dois mil dólares a uma agência, com a promessa de trabalho e de habitação. Mas não tenho trabalho. Trabalhei 24 dias, mas só recebi o dinheiro de duas semanas, porque o patrão desapareceu e não pagou o resto", conta a mais velha.
Em Pias, outros 21 timorenses nunca chegaram a trabalhar, apesar de cada um ter pago quatro mil dólares à mesma agência. "Tenho um filho com sete anos e vim para Portugal com o objetivo de lhe dar um futuro melhor, mas afinal fomos enganados", lamenta Faustino Barreto, de 30 anos, atualmente alojado no Pavilhão Multiúsos de Serpa.
Só ali, estão instalados cerca de 40 cidadãos. Outros 93 estão alojados no Centro de Migrações do Fundão, onde no último mês tem havido quase todos os dias migrantes a bater à porta do espaço.
"Já estamos no limite", sublinha Alcina Cerdeira, vereadora da Câmara do Fundão, que apela a "medidas excecionais" por parte do Estado central. O presidente do Município de Serpa pede também uma "resposta urgente". "Por mais duro que seja, não podemos receber mais ninguém", desabafa João Efigénio Palma.
No Fundão, há já migrantes a trabalhar, com contrato, na indústria. A floresta poderá ser o destino de Laurindo Quintão e não só. A primeira lição é fácil: não se corta vegetação de chinelos.