Sem autorização de residência, veem trabalhos negados e ficam impedidos de sair de Portugal. Renovações também não estão a ser feitas.
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Há milhares de imigrantes que têm as suas vidas no "limbo" devido aos atrasos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Só trabalhadores que entregaram manifestações de interesse e que ainda esperam pela chamada para a entrevista que lhes permitirá obter a autorização de residência são 25 mil - números fornecidos ao JN pelo SEF. O prazo de espera médio está em dois anos. Para piorar a situação, os milhares que já têm autorização para residir em Portugal, mas necessitam de renová-la este mês, não estão a conseguir fazê-lo.
De acordo com o SEF, "aguardam vaga para agendamento cerca de 25 mil cidadãos estrangeiros com manifestação de interesse, na maioria nacionais do Brasil". Cynthia de Paula, presidente da Casa do Brasil de Lisboa, confirma que esse é "um dos problemas" atuais. "As pessoas chegam aqui desesperadas. O envio dos documentos para a manifestação de interesse é fácil. O problema vem depois, com a análise dos mesmos e o agendamento das entrevistas", explica. O SEF adianta que, "recentemente, foram notificados cerca de 4500 cidadãos estrangeiros, com manifestação de interesse submetido até 15 de outubro de 2020". Quem entregou depois dessa data ainda não foi chamado.
E o que é que isso implica na vida desses imigrantes? "Ficam impedidos de viajar, por exemplo. Por outro lado, apesar de ser legal trabalhar com manifestação de interesse, há empresas que só aceitam os trabalhadores com autorização de residência", explica Cynthia.
Milhares de chamadas
No caso de quem entregou manifestação de interesse, a partir do momento em que esta é aceite, o sistema atribui-lhe uma vaga para a entrevista, em média após dois anos. Para quem pretende obter autorização de residência por reagrupamento familiar ou como estudante de Ensino Superior, é necessário que o SEF abra vagas. Aí, compete aos interessados contactarem o serviço por telefone para agendar a entrevista. Há relatos de pessoas que ligam mais de cinco mil vezes, recorrendo a aplicações móveis. "O problema é que não abrem vagas", assegura a presidente da Casa do Brasil de Lisboa.
Atualmente, também estão em situação de desvantagem os cidadãos cujas autorizações de residência caducaram este mês, uma vez que o sistema não está a permitir-lhes renová-las automaticamente. É o caso de Ricardo (nome fictício), de 30 anos. Prefere não se identificar, por medo de represálias, mas conta que vive em Braga, legalmente, há cinco anos.
"Tenho a autorização de residência caducada deste o início do mês, mas o sistema está bloqueado. Precisava de ir ao Brasil tratar de documentação pessoal e ver um familiar, com 92 anos, com estado de saúde preocupante, mas não posso", lamenta. "Sem saber mais o que fazer", Ricardo diz que, depois de "anos e anos a trabalhar, a pagar IRS e Segurança Social e a respeitar as leis, só queria ter renovado um pedaço de plástico, que, em falta, deixa a vida em suspenso".
Contactado pelo JN, o SEF não respondeu sobre quando é que o sistema automático voltará a funcionar. Para Cynthia de Paula, além do facto de os imigrantes ficarem "numa situação de desigualdade de direitos", estão sujeitos também "a uma enorme pressão psicológica". E sublinha que, "com a situação irregular, estas pessoas ficam mais expostas à exploração laboral e a serem vítimas de racismo e de xenofobia".