Pistolas de alarme eram compradas no estrangeiro, alteradas em pequena oficina de Lisboa e vendidas pelo dobro do preço. Dois luso-ucranianos, um luso-angolano e um chinês vão cumprir pena de prisão por associação criminosa, tráfico de armas e detenção de arma proibida.
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Os principais membros de um grupo, composto por lusos-ucranianos, um luso-angolano e um chinês, foram condenados, anteontem, a penas de prisão efetiva por traficarem centenas de armas ilegais para território português, entre 2016 e 2020. Liderada por um ex-soldado do Exército ucraniano com formação em engenharia mecânica, a rede comprava as armas de alarme e de calibre Flobert na Eslováquia e na República Checa, transportavam-nas para Portugal e modificava-as, numa pequena oficina de Lisboa.
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As pistolas, assim como munições, silenciadores, carregadores e adaptadores, eram, depois, vendidas a criminosos pelo dobro do preço de custo. Só um exemplar chegou a render 2400 euros.
Uma das pistolas foi comprada pelo grupo de Paulo Batista, antigo segurança que cumpriu pena de prisão nos processos "Máfia da Noite" e "Passerelle" e que, na sequência da investigação da PSP, foi detido, novamente, em outubro do ano passado.
O mentor da organização criminosa, Vitaly Guyvan, natural da Ucrânia e com nacionalidade portuguesa, foi condenado a oito anos de cadeia, e Oleksandr Patlatyuk, também luso-ucraniano, vai ficar atrás das grades durante seis anos. Rui Martins, de 51 anos, apanhou cinco anos de prisão. O Tribunal de Lisboa considerou que todos eram culpados dos crimes de associação criminosa e tráfico de armas.
No âmbito deste processo, o chinês Feng Cheng, que comprava armas a Oleksandr Patlatyuk para as revender, terá de cumprir uma pena de três anos e nove meses.
Armas chegavam a Portugal de carrinha
Guyvan é um ex-soldado do Exército ucraniano, com formação académica em engenharia mecânica e que, em território nacional, se apresentava como pintor da construção civil. Com 44 anos, vivia entre Portugal e a Ucrânia e, segundo a acusação do Ministério Público, aproveitava as viagens para comprar armas de alarme e de calibre Flobert em armeiros da Eslováquia e da República Checa. Apesar desta prática ser proibida em quase toda a Europa, nestes países a aquisição deste tipo de armamento é feita sem necessidade de obter licença das autoridades.
Para evitar a atenção da Polícia, Vitaly Guyvan apresentava ora os documentos de identificação portugueses ora os emitidos pela Ucrânia e ordenava que as armas fossem entregues numa casa situada em Kamyanets-Podilskiy. Era nesta cidade ucraniana que o armamento ficava guardado até ser recolhido pelo líder da organização e transportado para Portugal, escondido numa carrinha.
Armamento vendido a criminosos
Já em Lisboa, Vitaly Guyvan usava a pequena oficina, montada na casa arrendada onde vivia, para transformar as pistolas em armas de fogo de calibre .22, 7,65 mm e 9 mm. Também era neste espaço que fabricava as munições que podiam ser utilizadas nas pistolas e revólveres alterados.
Uma vez prontas a disparar fogo real, as armas eram guardadas por Rui Martins, na sua oficina de automóveis localizada em Camarate e, posteriormente, vendidas por Oleksandr Patlatyuk, de 42 anos e que trabalhava em estabelecimentos de diversão noturna de Lisboa. Era, aliás, nestes espaços que Oleksandr Patlatyuk conhecia muitos dos seus clientes, quase todos com ligações ao mundo do crime.
Uma das pistolas traficadas pela rede levou a investigação do Departamento de Armas e Explosivos da PSP a realizar, em outubro último, a operação "Scorpion", que terminou com a detenção de quatro homens e uma mulher. Já com antecedentes criminais, todos se dedicavam à prática de furtos, tráfico de droga, extorsão e segurança privada e foram apanhados na posse de oito armas de fogo adquiridas no mercado negro.
Um desses detidos era Paulo Baptista, que saiu da prisão em 2019, na sequência de condenações nos casos "Passerelle", que envolveu fuga ao fisco por parte de casas de striptease, e "Máfia da Noite", no qual mais de uma dezena de pessoas foi condenada por extorquir e obrigar os donos de estabelecimentos de diversão noturna de Lisboa a contratar serviços de segurança.
Paulo Baptista também matou um homem, a murro, quando era segurança de uma discoteca em Ibiza, para onde fugiu para escapar à prisão.
Quase dois anos de investigação
O Departamento de Armas e Explosivos da PSP esteve 22 meses a investigar os elementos da organização criminosa agora condenados.
Em julho de 2019, essa investigação deu origem à operação "Flobert", que permitiu a detenção de sete pessoas, incluindo Vitaly Guyvan. No cumprimento de 47 mandados de busca foram apreendidas 176 armas e mais de mil munições de diferentes calibres.
A informação então recolhida foi fundamental para, já em outubro do ano passado, a PSP realizar a operação "Scorpion", que culminou com a detenção de Paulo Batista e outras quatro pessoas.
Vendas continuam após detenção
Mesmo após a detenção de Vitaly Guyvan, Oleksandr Patlatyuk e Rui Martins continuaram a vender armas. "O grupo manteve-se estável na sua composição e atuou reiteradamente", descreve o Ministério Público.
Silenciadores comprados na Rússia
Além das armas compradas na Eslováquia e República Checa, o líder da rede adquiriu, na Rússia, silenciadores, carregadores da marca Glock, iguais aos usados pelas forças de segurança portuguesas, comutadores de tiro, canos, canetas e comandos pistola.
Também não faltavam adaptadores que possibilitavam o disparo em modo automático, de armas originariamente concebidas para disparo semiautomático.