Redes usam batedores, carros equipados com compartimentos ocultos e segurança para trazer droga de Espanha e dos Países Baixos. Grupo acusado pelo MP trouxe centenas de quilos para o Grande Porto.
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É um método cada vez mais usado pelos traficantes portugueses para trazer droga em segurança para Portugal por via terrestre. O chamado "go fast" (ir rápido) envolve pelo menos dois veículos. Um primeiro, "limpo" a abrir o caminho, com o objetivo de avisar da eventual presença das autoridades; e um segundo carro, que segue vários quilómetros atrás carregado com a droga.
Com este método e apesar das restrições em vigor durante a pandemia, um grupo de 20 arguidos liderado por um traficante residente em Vila do Conde, traficou, entre novembro de 2019 e janeiro de 2021, centenas de quilos de haxixe, heroína e cocaína do Sul de Espanha e dos Países Baixos. Vão agora ser julgados no Porto.
A estratégia é simples: criar uma espécie de comboio de carros em que o primeiro leva os vigias, garantindo que o caminho está livre para o que leva a droga dissimulada em compartimentos escondidos acrescentados para o efeito à viatura. A fechar a "coluna", segue outro veículo de apoio que intervém, por exemplo em caso de alguma emboscada, ou de algum percalço com o que transporta a mercadoria.
O método assegura rapidez e controlo do transporte aos traficantes que podem acompanhar em tempo real a viagem usando telemóveis com cartões pré-pagos, ou seja, anónimos. À exceção da viatura com droga, os carros são, regra geral, alugados, de alta cilindrada e muitas vezes usando matrículas falsas.
Foi através do sistema "go fast" que o grupo, acusado de tráfico agravado, importou, segundo o Ministério Público (MP) de Vila Nova de Gaia, cerca de 1,8 milhões de euros em heroína e haxixe. De acordo com a acusação, a que o JN teve acesso, o grupo, liderado por Nuno C., um desempregado de 38 anos, atualmente em prisão preventiva, tinha um núcleo duro de sete indivíduos.
A primeira viagem aconteceu em novembro de 2019. Foram a Cádis, no Sul de Espanha, buscar 30 quilos de haxixe, que o MP avalia em cerca de 130 mil euros. A segunda viagem descrita na acusação permitiu ao grupo adquirir 30 quilos de heroína em Amesterdão, em janeiro de 2020, com um valor estimado em 560 mil euros. A heroína terá sido entregue a revendedores de bairros do Grande Porto, conotados com o tráfico de droga. Apesar das restrições e dos controlos fronteiriços, devido à pandemia, o grupo continuou a importar centenas de quilos de droga até janeiro do ano passado, quando a PSP desmantelou o esquema.
Para realizar estas viagens, o grupo comprou uma viatura Peugeot 3008 em França. O carro foi legalizado em território nacional e especialmente adaptado para as viagens "go fast". No chão, entre os bancos da frente e os de trás, por baixo de uma caixa de arrumos, foi montado um compartimento oculto. Para o abrir era necessário introduzir uma chave própria num buraco que acionava um mecanismo de abertura. "Este compartimento em qualquer operação policial seria praticamente indetetável", garante a acusação.
Líder negoceia internado
O líder do grupo nunca fazia parte do comboio "go fast", mas pagava entre 500 à 2500 euros aos operacionais que iam a Espanha e aos Países Baixos buscar a droga, junto dos fornecedores indicados por ele e previamente contratados.
Nas dez viagens, descritas na acusação, o grupo importou 240 quilos de haxixe, um fardo do mesmo produto e 30 quilos de heroína, num valor total de 1,8 milhões de euros em droga.
O cabecilha terá inclusivamente negociado uma importante compra de estupefacientes enquanto estava internado no Hospital de S. João, no Porto. Segundo a acusação do Ministério Público, o indivíduo privilegiava o uso de redes sociais para combinar as compras e os transportes da droga, designadamente para orientar e acompanhar o trajeto dos veículos e homens empenhados no "go fast".
Através de um fornecedor de nacionalidade espanhola e a partir da cama do hospital, conseguiu organizar um transporte de haxixe que teria como destino final Vila Nova de Gaia. Comunicando via redes sociais encriptadas, como o WhatsApp ou o Telegram, recebia fotografias do estupefaciente e fechava os negócios.
Presos na portagem
Em setembro de 2020, nas portagens de Grijó, na A1, dois elementos do grupo foram detidos pela PSP. No carro transportavam um fardo de haxixe com 28 quilos, valendo 135 mil euros.
Residências
Após chegar ao Porto, a droga seguia para várias residências dos elementos da rede, onde era preparada para a venda por pequenos traficantes, no Grande Porto.
Furto de cocaína
A garagem de um dos elementos da rede que servia como esconderijo foi assaltada em 2019, tendo sido furtados três quilos de cocaína e 21 quilos de material para misturar na droga.
Método de tráfico deu origem a filme
O método deu origem ao filme "Go Fast- Tráfico a alta velocidade", de Olivier Von Hoofstadt. Conta a história de um polícia encoberto numa rede que trafica toneladas de haxixe de Espanha para França, em carros de alta cilindrada.
Dois casos
PSP liderava rede de haxixe
Bernardino Mota, conhecido como "Dino Bófia", o agente da PSP da esquadra de Gondomar acusado de liderar uma rede de importação de haxixe e que foi condenado a oito anos de cadeia, também usava o método "go fast" para trazer a droga para o Grande Porto. "Dino", que foi detido na zona do Montijo, no verão de 2019, com 120 quilogramas de haxixe no carro, vindo de Espanha, foi acusado de ter trazido para Portugal pelo menos 810 quilos de droga que o grupo começou a importar diretamente para o Porto em maio de 2018. Ao todo, organizaram ou participaram diretamente em 27 viagens, trazendo entre 30 a 60 quilos de haxixe de cada vez, em "go fast". Regra geral, "Dino" era o condutor do primeiro veículo, que abria o caminho para a viatura carregada com a droga. Era ele quem tinha a missão de dar o alerta para os outros carros em caso de operação policial. Tal como o grupo que agora vai a julgamento, a rede de "Dino" ia à zona de Málaga, no Sul de Espanha, para comprar o haxixe. Segundo o Ministério Público, os indivíduos compravam os fardos de haxixe na zona de Málaga, a 750 euros o quilo, e vendiam depois o produto no Grande Porto por 1250 euros. Terão assim lucrado cerca de 400 mil euros.
"Go fast" com helicópteros
Uma rede internacional de tráfico de haxixe recentemente desmantelada pela Polícia Nacional espanhola, em colaboração com a Europol e autoridades francesas, usava helicópteros modificados para trazer a droga de Marrocos até ao Sul de Espanha, de onde seguia para França pelo método do "go fast". Há cerca de três meses, 11 pessoas foram detidas e as autoridades apreenderam 2,4 toneladas de haxixe, importadas de Marrocos. A droga chegava à Europa em helicópteros especialmente adaptados para transportar grandes quantidade de resina de canábis. Já na zona de Marbella, em Espanha, o haxixe era carregado em carros e seguia pela estrada em "go fast". A Polícia espanhola teve de perseguir um veículo carregado de haxixe a altas velocidades por autoestradas até conseguir travá-lo. Tinha 329 quilos de haxixe num compartimento secreto do veículo. A investigação permitiu depois localizar residências onde foram descobertas centenas de quilos de droga. Esses traficantes terão lucrado milhões de euros com o "go fast" importando toneladas de haxixe para o Sul de Espanha, onde o grupo do Grande Porto também se abastecia.