A recente detenção de três guardas prisionais e dois chefes confirmou aquilo que os vídeos publicados pelos reclusos nas redes sociais já deixava perceber.
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Na cadeia de Paços de Ferreira, classificada com um nível de segurança alto, o tráfico de droga, telemóveis e outros artigos proibidos fazia parte do quotidiano, era do conhecimento de quase todos e contava com a colaboração de guardas, funcionários, advogados e visitas. Mas o tráfico é um problema que está longe de ser erradicado das prisões nacionais.
Nas celas, bares, pátios e bibliotecas daquele estabelecimento prisional a cocaína, heroína, haxixe e canábis circulavam de mão em mão, em pequenos sacos, e quem tentasse colocar um ponto final no circuito era atacado sem dó nem piedade. Um preso chegou a ter ordens para esfaquear um elemento do Corpo da Guarda Prisional que apreendeu 800 gramas de haxixe. E uma faca artesanal com uma lâmina de cinco centímetros para as executar. O recluso recebeu 400 gramas de canábis e a promessa de 5000 euros para concretizar o ataque, mas arrependeu-se e contou o plano a outro guarda.
As famílias dos presidiários também não escapavam às ameaças. Sempre que o filho, irmão ou marido não pagava a droga consumida os familiares recebiam telefonemas, do interior da cadeia, com indicações para transferir milhares de euros (ver texto ao lado).
Armindo Ribeiro, preso em Paços de Ferreira durante vários anos, era um dos reclusos envolvidos no tráfico. Sem qualquer dificuldade, telefonava para os contactos que mantinha no exterior a encomendar drogas, telemóveis e outros produtos. Os embrulhos eram entregues na casa do guarda Rogério Machado, no Bairro dos Guardas Prisionais, a curta distância da cadeia. Aproveitando a falta de controlo, Rogério fazia passar o haxixe, anabolizantes e outras drogas, mas também telemóveis, computadores portáteis e tablets pelos controlos e, na biblioteca, longe dos olhares dos colegas, entregava o material a um dos presos controlados por Armindo. Repetia o esquema semanalmente e recebia cerca de 2000 euros de cada vez.
Já José Manuel Coelho, chefe da Guarda Prisional, preferia entregar a heroína aos traficantes com quem colaborava às primeiras horas da manhã, nos pátios que dividem as alas da prisão. A droga era, depois, levada pelos reclusos para as celas, pesada, distribuída por pequenos sacos com dez gramas e vendida. Noutros casos, José Coelho, que é suspeito de ter recebido avultadas quantias dos reclusos ao longo de anos, fazia as entregas nas oficinas ou nos bares usados pelos presos.
"Já houve novas apreensões"
Cide Grazina, outro dos guardas detidos na operação "Entre-Grade", que levou, em novembro, a Polícia Judiciária à cadeia pacense, preferia deixar o embrulho com os produtos ilegais no interior das celas quando estas estavam vazias e encerradas. A liberdade de movimentos era tal, que Joel da "Afurada", também preso na cadeia que devia ser de segurança alta, vendia, aponta a investigação, meio quilo de heroína e um quilo de haxixe por semana.
"Continua a haver problemas e já foram apreendidos telemóveis depois das detenções dos guardas", refere Paulo Quitério. Para este dirigente do Sindicato do Corpo da Guarda Prisional, o tráfico é uma questão "transversal a todas as cadeias", uma vez que "continua a aparecer todos os dias fotografias de presos nas redes sociais".
Famílias ameaçadas para pagar droga consumida por presidiários
Os líderes dos gangues formados atrás das grades raramente tinham a droga e os telemóveis na sua posse. E poucas vezes contactavam diretamente com os "clientes". A guarda e a comercialização dos produtos proibidos ficavam a cargo dos presos com menos estatuto, pagos pelo serviço prestado com droga. Eram ainda estes quem tinha a tarefa de ajudar na cobrança de dívidas.
Sempre que um toxicodependente não pagava a droga, era agredido e se a força usada não era suficiente para resolver o problema, também as famílias eram pressionadas. Um recluso chegou a ter uma faca apontada ao pescoço enquanto pedia, através de uma videochamada, à noiva que transferisse para três contas controladas por "Joel da Afurada" 4500 euros. Tudo feito a partir da cadeia.
Em março de 2017, foi a vez da mãe de dois presos receber uma chamada feita a partir de uma cela. Ou transferia 400 euros para pagar a droga consumida pelos filhos ou estes eram atacados, ameaçou o traficante. Com medo, a mulher transferiu 50 euros, a quantia que tinha disponível, mas considerada insuficiente pelo gangue. Novo telefonema ameaçador foi efetuado.