Um agente da PSP condenado por abuso de poder em 2018 acabou absolvido após a Relação do Porto ter ordenado a repetição do julgamento.
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Para o Tribunal de Matosinhos não houve crime, mas houve negligência. O polícia, com antecedentes criminais por comportamentos violentos, terá de pagar 500 euros ao pai de uma criança que ficou fechada num carro, ao sol, por 30 minutos.
O caso aconteceu na tarde de 15 de outubro de 2016, na Feira de Custóias, em Matosinhos. Horácio Garcez e outro polícia detiveram um homem por protestar contra uma multa de estacionamento. Ao ir para a esquadra, no outro lado da rua, o detido alertou repetidamente que tinha a filha fechada no carro. Porém, como estaria a resistir à detenção, Garcez "não prestou atenção".
Estava com "foco na detenção e nas ameaças", entendeu o tribunal, pelo que "a fúria que se abatia sobre o arguido [...] tê-lo-á afastado de percecionar tudo o demais". Só depois de já estar mais calmo na esquadra é que o agente se apercebeu dos avisos. E então foi com o homem buscar a filha. Ao todo, a menina ficou 30 minutos fechada no carro, mas vigiada por populares, que se aperceberam e ficaram a tomar conta do veículo.
O pai apresentou queixa contra os dois agentes. Em dezembro de 2018, Horácio Garcez foi condenado a nove meses de prisão, com pena suspensa por dois anos, por abuso de poder. O outro agente que participara na detenção foi ilibado. O pai da criança foi absolvido do crime de desobediência e resistência à autoridade.
Garcez recorreu e a Relação do Porto ordenou novo julgamento considerando que a sentença padecia de "vícios decisórios". No novo julgamento, o Tribunal de Matosinhos admitiu a ilicitude do ato. Porém, e apesar de reconhecer que Horácio Garcez é "uma pessoa que se descontrola", o juiz assegura que este nunca terá pensado em causar dano a uma criança de três anos por estar "desavindo com o pai desta". Aliás, realça que a primeira pessoa a colocar a criança em risco foi o pai que a deixou sozinha trancada no carro para ir protestar por uma multa.
Negligência e não crime
Agora, para o tribunal, não se provou a intenção de Garcez em obter benefício para si ou terceiro ou de causar prejuízo para outro, logo não houve crime de abuso de poder. O agente não teve conduta dolosa, apenas inconscientemente negligente, pelo que, apesar de ilícito, o ato não pode ser punido criminalmente.
Já em termos civis, Horácio Garcez acabou responsabilizado pela sua negligência. Terá de pagar uma indemnização de 500 euros ao pai da menina, pois não atuou "com a diligência que podia e era capaz", praticando um ato ilícito que originou sofrimento ao ofendido.
Contactado pelo JN, Ricardo Pinto, defensor do arguido, comentou que a absolvição "era um caso de justiça" e que "a sentença está muito clara e, tecnicamente, muito bem fundamentada".
Como o jogador não ouve o treinador
O tribunal usou exemplos desportivos para explicar por que razão acredita que Garcez não ouviu os avisos do pai da criança. É usual ver-se os treinadores de futebol "aos berros como loucos, porque determinado jogador nem o está a ouvir", lê-se na decisão. E, acrescenta o juiz, nos desportos de combate existem treinos específicos para que o atleta se habitue a ouvir o treinador. "Numa situação de tensão extrema, a atenção foca-se num único aspeto: aquele que o cérebro identifica como o perigo", escreve o magistrado.
Polícia cadastrado
Falta de idoneidade
O Tribunal manifestou "as maiores reservas" de que Horácio Garcez seja idóneo para ser agente da PSP, dado os seus antecedentes criminais e "a forma descontrolada como agiu", não atuando "com o cuidado que se exigia".
Claque violenta
Em setembro de 2018, Garcez integrava um grupo de adeptos do Boavista detidos e acusados de agredir funcionários de um restaurante em Ponta Delgada, durante a deslocação do clube aos Açores. Em 2010 já havia sido condenado por crimes de denegação de justiça e prevaricação, em 2016 por injúria, ofensa à integridade física e ameaça agravada e também em 2016 por uma ofensa à integridade física agravada. Recebeu sempre penas de multa.