Vice de Gaia suspeito de ser pago para forçar Metro a dar luz verde a condomínio
Patrocínio Azevedo suspeito de pressionar CEO da Metro do Porto na sede de campanha do PS em Vila Nova de Gaia. Queria resolver capacidade construtiva do "Riverside" afetado pela Linha Rubi
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O vice-presidente da Câmara de Gaia, detido no âmbito da Operação Babel, é suspeito de ter recebido luvas para fazer pressão sobre o presidente do Conselho da Administração da Metro do Porto para obter um parecer favorável desta empresa, que estava, em 2021, a definir o traçado da Linha Rubi, entre Gaia e Porto. Esta nova linha de metro ia afetar a capacidade construtiva de um empreendimento de luxo, projetado para a zona da Afurada, pelos empresários Elad Dror e Paulo Malafaia, também detidos por suspeitas de corrupção.
Os sete arguidos foram ontem levados ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto, onde começaram os primeiros interrogatórios.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, a investigação da Polícia Judiciária e do Ministério Público do Porto apurou que o CEO do Grupo Fortera adquiriu num processo de insolvência, antes de 2020, vários lotes de terreno, na Quinta de Santo António. Queria lançar o "Alive Riverside", um complexo habitacional no topo da escarpa do rio Douro junto à Ponte da Arrábida. Previa investir 110 milhões de euros numa primeira fase.
Menos construção
Mas o projeto da Linha Rubi da Metro do Porto ia roubar-lhe capacidade de construção em pelo menos dois lotes. Elad Dror e Paulo Malafaia, que era o parceiro comercial do empresário israelita, terão decidido recorrer ao vice-presidente da Câmara de Gaia para ajudar a resolver o problema, mediante o pagamento de contrapartidas em dinheiro e bens.
A Metro do Porto tinha emitido um parecer negativo para a construção de prédios nos lotes que iriam ficar perto da nova linha e Patrocínio Azevedo prometeu tratar pessoalmente do assunto. Dias antes, o vice-presidente teria recebido de Elad e Malafaia, através de um advogado que servia de intermediário entre o político e os empresários, 100 mil euros para garantir o desenvolvimento e licenciamento do projeto Riverside.
A 11 de agosto de 2021, Patrocínio reuniu, na sede de campanha do PS de Gaia com Tiago Braga, o CEO da Metro do Porto. Mais tarde, em outubro, voltou a promover uma reunião, desta vez na sede da Metro, na cidade do Porto. Nessa altura, o traçado da Linha Rubi ainda não estava totalmente definido, mas a entidade não mudou de posição.
Para transferir, com alguma celeridade, a capacidade construtiva que estava perdida pela passagem da linha do metro, os arguidos lembraram-se de alterar o projeto. Os apartamentos que já não iriam ser construídos nos lotes afetados seriam edificados nos outros lotes. Assim, garantiam o mesmo lucro.
Ainda segundo a investigação, a Câmara emitiu, a mando do vice-presidente, uma certidão de capacidade construtiva com os novos planos. E em março de 2022 foram pedidas as primeiras licenças de obras do empreendimento Riverside.
Nova tentativa
Apesar da nova solução e numa altura em que a Metro do Porto ainda não tinha o traçado da linha totalmente definido, Patrocínio Azevedo tentou novamente pressionar o CEO, Tiago Braga. Em fevereiro do ano passado, remeteu-lhe um documento que compatibilizava o traçado da Linha Rubi com a maximização da capacidade construtiva do Riverside. Mas também não terá surtido efeito junto da Metro do Porto, que manteve o seu parecer negativo.
Ainda assim, na terça-feira, a Metro do Porto foi alvo de buscas e foram apreendidos os conteúdos dos computadores do CEO e de um colaborador. No mesmo dia, a PJ realizava dezenas de buscas nas câmaras de Gaia e do Porto, na Gaiurb, na Direção Regional de Cultura e empresas e residências dos suspeitos.
Além do vice de Gaia e dos empresários, a Operação Babel também levou à detenção do advogado João Lopes, suspeito de ser o intermediário, assim como de dois funcionários da Câmara do Porto.
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Três relógios
Patrocínio Azevedo terá recebido três relógios de luxo dos corruptores ativos. O último foi entregue ao vice-presidente da Câmara de Gaia em dezembro de 2022. Era de marca "Oris" e custou 4250 euros.
Entrega no shopping
Em junho de 2021, o advogado que serviria de intermediário entre Patrocínio e os empresários recebeu 100 mil euros das mãos de Malafaia, numa entrega que foi feita nas casas de banho do Norte Shopping, em Matosinhos.
Skyline
Um dos projetos que estão na mira das autoridades é a torre do projeto Skyline, com 30 andares e 300 apartamentos. O empreendimento foi, segundo um anúncio feito pela própria empresa, desenvolvido em parceria com a Câmara Municipal de Gaia e inclui um centro de congressos.
Crimes
A Polícia Judiciária e o Ministério Público do Porto acreditam que os arguidos praticaram crimes de corrupção, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, prevaricação e abuso de poder, com licenciamentos urbanísticos como pano de fundo.
Vigilâncias
A PJ realizou dezenas de vigilâncias e escutas aos arguidos. Também foram feitas escutas e análises de mensagens de telemóveis.
Pormenores
300 milhões de euros em empreendimentos
Os projetos de construção desenvolvidos pelo CEO do Grupo Fortera e por Paulo Malafaia representam investimentos de mais de 300 milhões de euros, nas cidades de Gaia, Porto e Braga.
55 buscas realizadas
Os inspetores da PJ realizaram, na terça-feira, 55 buscas. Além dos sete detidos levados ao tribunal, 12 pessoas foram constituídas arguidas. A investigação tem mais suspeitos na mira.