"Vice" de Gaia abdica de taxas para a Fortera não perder dinheiro em hotel de luxo
A investigação acredita que o vice-presidente da Câmara de Gaia, o principal dos sete detidos e 12 arguidos na Operação Babel, por suspeitas de corrupção em obras, prometeu compensar a Fortera pelas obras de consolidação da escarpa da Serra do Pilar onde estava a construir um hotel de luxo. A despesa extra de 400 mil euros teria como contrapartida a isenção de taxas do projeto Riverside, orçadas em 270 mil euros. Uma medida ilegal, diz o Ministério Público.
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A construção do Azul Boutique Hotel, com vista privilegiada para o rio Douro, já estava em marcha quando, em abril de 2022, soaram os sinais de alarme. O vice-presidente de Gaia, Patrocínio Azevedo, pediu uma reunião de altíssima urgência com alguém da Fortera. Era algo também perigoso, explicou.
Na obra fora detetada instabilidade na escarpa e a diretora municipal do Urbanismo tinha ordenado a paragem das obras do Hotel Azul. Segundo o Ministério Público (MP), Luísa Aparício exigia um projeto de contenção para assegurar a integralidade da escarpa e das construções ali existentes.
negociação
O arquiteto da Fortera assegurava que os problemas eram anteriores à obra e apontava o dedo à empresa Mercan, que edificava um hotel acima do Azul. A diretora municipal mostrava-se irredutível: o projeto de contenção era imprescindível, pois era uma condição para o licenciamento, e nem percebia como é que a obra tinha avançado sem ele, terá dito.
Um mês depois, ainda não havia projeto de contenção, mas a Fortera enviara elementos informalmente a Patrocínio. O MP diz que este pediu à diretora para ver o assunto. Em setembro, a obra ainda estava parada. Segundo a investigação, numa reunião com os sócios, Elad Dror fez um ponto da situação. O empresário israelita revelou que Patrocínio tinha sugerido que a Fortera e a Mercan pagassem a obra para desbloquear a situação.
Em troca, o vice-presidente tinha dito que a Câmara de Gaia estaria na disponibilidade de os reembolsar dos custos com uma isenção de taxas. Já não podia haver benefícios no Hotel Azul, porque as taxas já tinham sido pagas, mas as isenções poderiam ser aplicadas a outros projetos da Fortera, adiantou.
Segundo o MP, Elad terá revelado aos sócios que sugerira um aumento da capacidade construtiva do hotel, mas a proposta não foi aceite. O empresário israelita explicou que a alternativa a não avançar com as obras na escarpa era contactar todos os proprietários de imóveis na escarpa, o que poderia atrasar dois ou três anos a construção do hotel. Perante isto, não havia outra hipótese senão seguir com a solução informal.
A contrapartida - uma isenção de 270 mil euros em taxas no projeto Riverside - não podia ficar por escrito, admitiu Elad, mas terá dito aos sócios que confiava na palavra de Patrocínio. E assim foi feito.
A investigação frisa que a proposta do vice-presidente da Câmara não podia ficar escrita porque era ilegal. A lei diz que a isenção de taxas depende de deliberação camarária e só pode referir-se ao processo a que diz respeito, não existindo qualquer figura de compensação de taxas em processos diferentes. O MP nota ainda que, em fevereiro de 2023, os trabalhos da construção do hotel prosseguiam e as obras da escarpa estavam já realizadas ou em fase de conclusão.