Duas das alegadas vítimas de escravidão no tempo que passaram como "noviças" na Fraternidade Cristo Jovem, que tem uma espécie de convento, em Requião, Famalicão, viram recusado um requerimento para que o arcebispo primaz de Braga, D. Jorge Ortiga, e a arquidiocese fossem arguidos no caso, que foi recentemente alvo de acusação pelo Ministério Público (MP).
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A arquidiocese e o arcebispo não quiseram comentar o assunto ao JN, por se tratar de uma questão processual.
O padre fundador da Fraternidade Cristo Jovem, Joaquim Milheiro, de 87 anos, e três religiosas, com idades entre 67 e 71 anos, estão acusados de nove crimes de escravidão sobre as aspirantes a freiras. O caso começou a ser investigado pela Polícia Judiciária do Porto em julho de 2015, depois de as jovens terem denunciado castigos e rituais violentos de disciplina e expiação, como chicotadas ou pauladas. Também é arguido o Centro Social de Apoio e Orientação da Juventude, uma instituição particular de solidariedade social criada com base na Fraternidade, sendo que esta última não é arguida.
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As duas alegadas vítimas consideraram que D. Jorge Ortiga e a diocese não cumpriram o seu "dever de vigilância" e, num requerimento apresentado em tribunal, explicaram que os abusos na instituição foram denunciados a D. Jorge, o que, no seu entender, implicaria "responsabilidade penal pela falta de atuação no sentido de não obstar à escravidão". No mesmo documento, as duas noviças referem ainda que a Fraternidade é uma associação de fiéis tutelada pela arquidiocese.
O Ministério Público não concordou e indeferiu os requerimentos das jovens, notando que não existe, do lado dos visados, um dever de supervisão perante a lei. Acrescenta que o arcebispo não teve intervenção nos factos praticados, e que o facto de ter tido conhecimento indicia "responsabilidades eclesiásticas", mas não criminais.
"Tarde e sem cuidado"
O MP acrescenta que o prelado atuou, "embora tarde e sem o cuidado que as circunstâncias impunham", diligenciando para se inteirar do que se vivia no "convento". E acabou por demitir os órgãos sociais da instituição, nomeando como representante legal do Centro Social um sacerdote.
Esta demissão viria a estar na base do pedido de abertura de instrução do processo por parte do Centro Social, por este entender que a instituição tem uma direção e um representante legal, não devendo, por isso, sobrepor-se a lei canónica à lei civil. A instrução ainda não começou.
Espancadas e obrigadas a despirem-se
As duas "noviças" que tentaram implicar a arquidiocese no caso descreveram as provações que passaram na Fraternidade. Uma delas passou ali nove anos e a outra dez. Entre os castigos a que eram sujeitas estavam os espancamentos com chicotes ou paus. Eram também obrigadas a despir-se e a dormir no chão. Apesar de tudo, uma delas, que abandonou a Fraternidade quando da intervenção da PJ, regressou ali dois anos depois.