Jorge Martins Ribeiro é juiz, perito em direitos humanos e também investigador na Universidade do Minho. E foi nesta academia que apresentou a tese doutoral a defender a legalização da prostituição. A investigação deu origem ao livro "Da lei do desejo ao desejo pela lei - Discussão da Legalização da prostituição".
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Quais os modelos legais sobre prostituição que vigoram na Europa?
Há vários, mas os cinco principais são o proibicionista (todas as atividades relacionadas com a prostituição, incluindo a sua prática, são proibidas), o abolicionista (todas as atividades que, profissionalmente ou com intuito lucrativo, fomentem, favoreçam ou facilitem o exercício da prostituição são proibidas, ainda que a prática da mesma não o seja), o neoabolicionista (há anos era conhecido como modelo sueco e ao abolicionismo tradicional acrescenta a criminalização de quem comprar prostituição), o regulamentador (de pendor sanitário e administrativo, exigindo o registo obrigatório de quem se prostituir, incluindo a realização de exames e análises regulares a quem se prostitui, definindo também em que zonas e condições pode ser praticada ) e o legalizador (que considera a prática da prostituição como outra atividade económica, prevendo a lei diferentes aspetos relacionados com a prática da mesma, sem que exista um sistema de testes obrigatórios à saúde de quem se prostitui).
Em qual dos modelos referidos se insere a lei portuguesa?
Em Portugal, e até janeiro de 1963, vigorou o regime regulamentador. Entre 1963 e 1983 vigorou o proibicionismo e, desde então, o abolicionismo.
Esta lei devia ser alterada?
Sim, para o que designo como modelo legalizador português, reunindo o melhor do regulamentador e do legalizador, no sentido de não admitir que a prostituição possa ser objeto de um contrato de trabalho (como sucede nos modelos legalizadores típicos), mas apenas de um contrato de prestação de serviço. Também que não deve haver um registo obrigatório nem exames de saúde obrigatórios, até porque são perigosos por levarem a uma falsa sensação de segurança, e devem ser também regulados os aspetos respeitantes aos locais onde seja praticado sexo mediante remuneração.
Deve ainda ser clarificado que prostituição e exploração sexual são realidades diferentes e que ninguém que defende a legalização defende a exploração sexual, pelo contrário. Por isso é que é importante que o legislador atue e defina as condições em que pode ser exercida, isto além de serem prementes alterações ao Código Penal (CP), no tocante, entre o mais, à alteração da descrição dos crimes de lenocínio de maiores e de menores e das respetivas agravantes.
Que alterações são imprescindíveis?
O art.º 169.º, n.º 1, do CP, tem sido objeto de sucessivos acórdãos no Tribunal Constitucional (e em todos os demais), em que se debate a constitucionalidade da incriminação de quem, profissionalmente ou com intuito lucrativo, fomente, favoreça ou facilite a prática da prostituição (pois nessa norma não se refere exploração sexual, que existe apenas nas hipóteses previstas no n.º 2).
Entendo que tal norma é inconstitucional e urge que o legislador reveja o CP e clarifique conceitos, no que se inclui a eliminação da expressão prostituição infantil, porque, tratando-se de menores, o que existe é exploração sexual de menores, não prostituição.
O quadro legal nacional vai ao encontro da hipocrisia reinante na sociedade portuguesa relativamente à prostituição?
Sim, a hipocrisia domina o debate, neste assunto e noutros. Como é bom de ver, não só a prostituição não foi abolida, como nunca foi tão visível como agora. Para isto contribuem também as tecnologias da informação, ao que acrescem os anúncios de jornais, a prostituição nas bermas de estrada, nas matas, nos centros das cidades e não só.
Proliferam estabelecimentos de prostituição, sejam "casas de alterne" ou outras, como "apartamentos", além da prostituição de luxo praticada por escorts/acompanhantes. Depois de 20 anos de proibicionismo seguidos de 38 anos de abolicionismo, impõe-se que o legislador aceite a realidade e que legalize o exercício da prostituição, para definir as condições em que pode ser praticada, para evitar a exploração.