Emissão centralizada na Casa da Moeda e elementos de segurança tornam difícil falsificar o documento, que dispensa visto para 188 países de destino.
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Os vários elementos de segurança, alguns deles secretos, e a sua emissão centralizada, na Casa da Moeda, fazem com que o passaporte português seja um dos mais seguros do Mundo e uma referência internacional. Além de difícil de falsificar, também permite ao seu titular viajar para 188 países sem necessidade de obter visto prévio. Razões de sobra para que um passaporte luso falsificado só esteja ao alcance de criminosos com grande capacidade económica. No mercado negro, paga-se acima de dez mil euros por exemplar.
O mercado negro divide os passaportes em dois níveis: os que obrigam à obtenção de visto para entrar num país; e os que dispensam esta formalidade. Os primeiros, produzidos sobretudo a partir de passaportes africanos dados como perdidos pelos legítimos proprietários, rondam os dois mil euros. Já os que podem dispensar visto são adquiridos a partir de cinco mil euros, subdividindo-se estes entre os mais e os menos difíceis de adulterar.
Os portugueses, apurou o JN, são de primeira água. Porque são seguros - ou seja, difíceis de falsificar - e porque oferecem ampla liberdade de movimentos. Esta qualidade é evidenciada pela última edição do ranking "The Henley Passport Index", publicado em abril, que põe Portugal no quinto lugar de uma lista de 199 países, ao lado da França, Reino Unido e Irlanda, por dispensar os seus titulares de visto para viajarem para 188 países.
Ao JN, a subdiretora da Direção Central de Emigração e Documentação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Helena Esteves, aponta a integração de Portugal na União Europeia como um fator importante para aquele resultado.
Sobre a segurança, a inspetora-coordenadora garante que o passaporte português "é muito difícil de falsificar". "É dos mais seguros do Mundo", diz. Desde logo, porque, ao contrário de países onde a emissão é dispersa por vários locais, Portugal centralizou a personalização dos documentos.
"Um passaporte pode ser requerido em todo o território nacional, nas embaixadas e consulados, mas a emissão é feita unicamente na Casa da Moeda, depois de a informação biográfica ser certificada, através de linhas dedicadas, na Direção Central de Emigração e Documentação do SEF", descreve. Assim, acrescenta, evita-se que cadernetas em branco se extraviem por circularem de posto em posto.
"Não há sobras"
A centralização do processo na Casa da Moeda permite, igualmente, implementar regras rigorosas, que começam com a certificação dos fornecedores do material necessário para a produção do documento. "Todo o material que entra na Casa da Moeda é usado na emissão dos passaportes ou destruído. Não há sobras que possam ser aproveitadas em documentos falsos", explica a subdiretora.
A esta medida preventiva juntam-se três níveis de segurança pouco usuais noutras latitudes. O primeiro inclui elementos que podem ser observados a olho nu, como o kinegrama, uma espécie de holograma que cobre parte da página biográfica, incluindo a fotografia. "Muda de cor e tem as letras RP, de República Portuguesa, em relevo. É difícil de alcançar aquele efeito sem os produtos certificados", assevera Helena Esteves.
Num segundo nível de segurança, o passaporte português integra, entre outros elementos tecnológicos, um chip que repete os dados biográficos originais ou informação microperfurada a laser só visível a contraluz. A inspetora-coordenadora do SEF diz que "é uma técnica que não está disponível no mercado paralelo".
No terceiro nível, os componentes de segurança só são confirmados com recurso a equipamento e são mantidos em segredo, diz.
Poucos documentos irregulares detetados pelas autoridades
Responsável do SEF garante que isso se deve à segurança do passaporte luso
São poucos os casos de passaportes portugueses sinalizados em situação irregular. "No ano passado, ainda marcado pela pandemia da covid-19, foram apenas duas situações. Em 2019, foram oito, mais uma do que no ano anterior. Mas, mesmo nestes casos, a maioria dos passaportes sinalizados eram verdadeiros: só estavam a ser usados por uma pessoa que não era o seu titular", revela Helena Esteves, justificando aquele número diminuto de irregularidades detetadas com os avançados mecanismos de segurança do documento português.
A coordenadora garante que "as redes criminosas escolhem outras nacionalidades" para produzir passaportes falsos. A informação é reiterada por outras fontes ligadas à investigação policial.
Estas avançam que um passaporte português tem sempre um custo superior a dez mil euros no mercado negro. Tal valor justifica-se pelas dificuldades de falsificação do documento, que, justamente por ser conhecido pela sua segurança, merece a confiança das autoridades internacionais e pode induzir um controlo menos rigoroso. Quem possuir um passaporte português tem a possibilidade de "passar despercebido" nos controlos fronteiriços, e é esse privilégio que é pago a peso de ouro.
Saber mais
Exemplo internacional
O modelo de segurança dos passaportes portugueses é exemplo para outros países. Várias delegações internacionais passaram por Portugal para estudar a nossa linha de produção.
Iguais às notas
A dirigente do SEF Helena Esteves compara os passaportes portugueses com as notas de euro, afirmando que os níveis de segurança são similares.
Apagados do sistema
Os passaportes dados como perdidos ou extraviados são apagados do sistema informático. Deste modo, são facilmente sinalizados quando usados por falsificadores, garante Helena Esteves.
Atualizados a cada 10 anos
O passaporte português tem sido atualizado ao longo dos anos. A última vez foi em 2017. "A cada dez anos, temos de efetuar uma atualização. Só assim é possível combater os esforços dos criminosos para tentarem falsificar o documento", declara Helena Esteves.
Casos
Condenação
Falsificadores apanham penas de prisão
Em abril do corrente ano, três indivíduos detidos pelo SEF foram condenados, em Lisboa, a penas de prisão entre quatro e seis anos e meio e na pena acessória de expulsão do país. O tribunal deu como provado que os arguidos, de nacionalidade brasileira, praticaram crimes de falsificação de documentos, auxílio à imigração ilegal e associação criminosa. Todos eles tiraram "partido da situação de imigrantes que necessitavam de documentação em Portugal e na Europa". A rede criminosa internacional, que tinha sido desmantelada em 2020, "recorria à "dark web" para vender diversos tipos de documentos de identificação, incluindo passaportes portugueses e europeus, assim como americanos e asiáticos". Segundo a acusação deduzida pelo Ministério Público, a organização era liderada por um casal, que montou uma autêntica fábrica de documentos falsos em Lisboa. A partir daqui, vendiam, além de passaportes, cartas de condução e cartões de cidadão, por cerca de dez mil euros. Parte dos lucros, pagos em criptomoeda, era investida "em tecnologia de ponta para a elaboração de documentos falsos de elevada qualidade", sustentava o Ministério Público.
Investigação
Rede lucrou mais meio milhão de euros
A Europol acaba de desmantelar uma rede criminosa envolvida na produção e divulgação de documentos falsificados. Durante a operação, levada a cabo pela Polícia grega, foram apreendidos 362 documentos falsos, nomeadamente 153 passaportes, 156 bilhetes de identidade, 42 autorizações de residência e 11 documentos de asilo. Também foram encontradas 118 capas de passaporte, impressoras e equipamento eletrónico necessário para a produção de passaportes.
Os membros da rede, que começaram a ser investigados em março de 2021, eram quase todos oriundos de países africanos, tinham papéis e tarefas claramente definidos: uns eram falsificadores de documentos, outros estavam ligados aos fenómenos migratórios e havia ainda intermediários. Em Atenas, capital da Grécia, havia uma loja de impressão de documentos falsos que eram utilizados para passar migrantes do Egito para a Grécia e outros destinos da União Europeia ou eram vendidos a outras redes criminosas.
As autoridades identificaram mais de 565 documentos falsificados e 66 migrantes a serem contrabandeados com a utilização dos passaportes ilegais. A rede terá lucrado mais de meio milhão de euros.