Juiz começa na segunda-feira a interrogar o antigo primeiro-ministro. Sessões vão ser à porta fechada. Ex-governante acusado de 31 crimes de fraude fiscal, branqueamento, corrupção e falsificação.
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Inocente. É assim que, a avaliar pelo seu requerimento de abertura de instrução, o ex-primeiro-ministro José Sócrates se irá declarar, a partir de segunda-feira, perante o juiz de instrução Ivo Rosa, o magistrado responsável por decidir se o processo Operação Marquês segue (ou não) para julgamento e em que termos.
No total, o antigo governante socialista está acusado pelo Ministério Público (MP) de 31 crimes de corrupção, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada, 30 dos quais em coautoria com pelo menos um dos restantes 27 arguidos no caso, incluindo nove empresas.
O catálogo abrange alegados ilícitos tão diversos como o favorecimento do grupo Lena nas relações com a Venezuela e na concessão do TGV, a submissão da atuação do Estado na Portugal Telecom aos interesses do Grupo Espírito Santo (GES), o recebimento de um suborno no negócio do empreendimento de Vale do Lobo - considerado ruinoso para a Caixa Geral de Depósitos -, a compra de habitações em Paris, em Lisboa e no Alentejo e a forja de contratos para justificar o pagamento de contrapartidas ao escritor-fantasma da sua tese de mestrado.
Quase sempre com dinheiro de Carlos Santos Silva - que o MP acredita que pertencia, na realidade, a Sócrates - e através de percursos financeiros complexos com passagens por contas no estrangeiro e offshores. Só do GES, o antigo primeiro-ministro terá recebido, segundo a acusação, luvas de mais de 25 milhões de euros e, do Grupo Lena, de mais de cinco.
Interrogado a seu pedido
Ao todo, foram quatro as tardes - entre amanhã e quinta-feira - reservadas por Ivo Rosa para interrogar o ex-governante no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), em Lisboa. A diligência, à porta fechada, ocorre a pedido do próprio Sócrates que, ao requerer a instrução, solicitou que lhe fossem "tomadas declarações" para tentar provar a sua inocência.
"[O requerente] não cometeu qualquer crime, designadamente os crimes por que vem acusado, nem praticou os factos narrados na acusação, muitos dos quais nunca sequer ocorreram", lê-se no documento, em que é solicitada ainda a inquirição, como testemunhas, de um ex-ministro e três ex-secretários de Estado dos seus governos (2005-2011), já ouvidos.
Pelo TCIC, passaram ainda, desde janeiro, outros arguidos ligados a Sócrates (texto ao lado), mas será somente daqui a um mês que Ivo Rosa interrogará o alegado testa de ferro do ex-primeiro-ministro. Para o MP, seria nas contas de Santos Silva que Sócrates guardaria o seu dinheiro, através do qual pagaria o seu estilo de vida, escondendo, assim, ser o seu real proprietário.
Só depois terá lugar o debate instrutório, com a apresentação de argumentos pelas partes. O ato, público, está agendado para janeiro. A comunicação da decisão final ainda não tem data marcada.
O que disse Sócrates
Foi uma insinuação covarde e torpe [do juiz Carlos Alexandre]. Uma das principais imputações, que eu já classifiquei como absurda, estapafúrdia, que não tem mínimo de sustentação no processo, é justamente a ideia de que o dinheiro do meu amigo afinal é meu. Isso é falso
TSF, 16/09/16
A injustiça que agora a Direção do PS comete comigo, juntando-se à Direita política na tentativa de criminalizar uma governação, ultrapassa os limites do que é aceitável no convívio pessoal e político
JN, 04/05/18
Acontece que investigações secretas são ilegais. Isso é próprio de serviços de informação, não de organismos decentes da administração penal
(sobre processo administrativo na origem do inquérito)
Lusa, 26/01/19
O processo ao fim de cinco anos tem finalmente um juiz [Ivo Rosa]. É este juiz que respeito e esta fase de instrução que quero respeitar. Pela primeira vez, há um juiz independente
TVI24, 23/04/19
Depoimentos
Vara nega luvas
O ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, Armando Vara, é suspeito de, tal como Sócrates, ter recebido um milhão de euros para favorecer o empreendimento de Vale do Lobo. Garantiu que ganhou o dinheiro como consultor e ilibou a filha. Era de Bárbara a conta onde a quantia foi depositada. Em janeiro, disse que confiou no pai.
Santos Ferreira ignorava
Chamado a depor por Sócrates, o presidente da CGD à data do negócio, Santos Ferreira frisou só ter conhecido os termos do crédito de 200 milhões ao testemunhar, na fase de inquérito.
Ex-ministro assume
O MP acredita que a nomeação da Vara para a Caixa foi imposta por Sócrates, mas, ouvido como testemunha, Teixeira dos Santos, ex-ministro das Finanças, garantiu que o ex-primeiro-ministro até o alertou para a repercussão política da escolha. Também Carlos Costa Pina, secretário de Estado do Tesouro ilibou Sócrates.
Governantes solidários
A escolha das empresas que acompanharam Sócrates à Venezuela, em 2008, e a relação do Governo com a Portugal Telecom foram outros temas abordados, respetivamente, por Fernando Serrasqueiro, ex-secretário de Estado do Comércio, e Paulo Campos, ex-secretário das Obras Públicas, Paulo Campos (foto). Nenhum se apercebeu de nada de suspeito.
Os outros arguidos
Pelo tribunal passaram ainda, como arguidos, a ex-mulher de Sócrates, Sofia Fava, suspeita de comprar uma herdade no Alentejo, para branquear dinheiro; Rui Mão de Ferro, alegado testa de ferro; e Gonçalo Trindade, advogado que terá intervindo na compra das casas, em Lisboa e em Paris. Todos negaram. Mão de Ferro requereu que fossem inquiridos Inês do Rosário, mulher de Santos Silva, e Joaquim Barroca, gestor do Grupo Lena, mas ambos recusaram, por serem arguidos. Têm ambos crimes em coautoria com o ex-primeiro-ministro.