Tecnologia preocupa responsáveis editoriais, que alertam para riscos de conteúdos gerados por IA sem intervenção humana.
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A Newsquest, um dos maiores grupos de imprensa regional do Reino Unido, revelou ter 36 jornalistas assistidos por inteligência artificial (IA) nas suas redações, um número que representa um aumento significativo face aos sete que empregava no final de 2023. O anúncio foi feito por Toby Granville, diretor de desenvolvimento editorial da empresa, durante a Media Freedom Conference da Society of Editors, em Londres.
Estes profissionais utilizam um sistema de gestão de conteúdos com IA que transforma comunicados de imprensa em artigos noticiosos. Cabe-lhes verificar dados, citações e garantir a correção do texto final. Segundo Granville, esta abordagem permite libertar os restantes jornalistas para trabalho de campo e produção de conteúdos originais. “Não está em causa substituir jornalistas humanos”, afirmou. “Trata-se de usar IA para automatizar algumas tarefas administrativas e libertar os profissionais para reportagens mais profundas”.
A estratégia responde também à redução da publicidade nos jornais impressos. Para Granville, o foco em capas mais atrativas e em maior volume de notícias locais tem contribuído para abrandar a quebra das vendas e permitido manter cerca de 50 redações abertas em centros urbanos. Os jornalistas assistidos por IA recebem formação semanal em literacia tecnológica e colaboram no desenvolvimento de novas ferramentas. “Temos redações de rua em mais de 50 cidades. Isso importa. É aí que os jornalistas vivem, trabalham e se conectam com as comunidades”, argumentou Granville.
Apesar do entusiasmo da Newsquest, líderes de redações de diários como “The Times”, “The Sun” e “The Guardian” alertaram, no mesmo evento, para os riscos das notícias geradas por inteligência artificial sem validação humana. Edward Roussel, diretor digital do “The Times”, sublinhou: “Se um leitor começa a usar ChatGPT como fonte de notícias, então o jornal está desintermediado. Perdemos o relacionamento direto com o nosso público”.
Chris Moran, do “The Guardian”, questionou a função do jornalismo num tempo em que os utilizadores recebem versões personalizadas de notícias nos telemóveis, muitas vezes com erros factuais e sem possibilidade de responsabilização. Referiu um caso em que um sistema automatizado confundiu uma manchete da BBC, sugerindo que uma mulher teria sido morta por um helicóptero, quando, na verdade, se tratava de um homicídio investigado por autoridades que usaram helicópteros na operação. “Essa é a consequência de termos sistemas que tomam decisões editoriais sem contexto ou supervisão”, alertou.
A crescente personalização e a ausência de transparência nas fontes automatizadas preocupam os responsáveis. Moran afirmou: “Estamos a afastar-nos de um espaço de informação partilhado. E isso enfraquece o jornalismo como elemento de coesão democrática”.