
Salvador Sobral junta a sua voz à contestação e critica a RTP por manter Portugal na Eurovisão com Israel. A estação pública enfrenta pressão crescente para rever a decisão
Foto: Gerardo Santos / Arquivo
A RTP enfrenta contestação interna por manter Portugal na Eurovisão 2026 com Israel, num contexto de boicotes de vários países e indecisão na Bélgica. Salvador Sobral junta-se às críticas e pede que a estação pública seja coerente com os direitos humanos.
A permanência de Portugal na Eurovisão 2026 está a dividir a RTP. A confirmação de que Israel continuará no festival levou trabalhadores, sindicatos e figuras do meio artístico a exigirem que a estação pública reavalie a participação portuguesa no evento, marcado para maio, em Viena, na Áustria.
A moção foi aprovada no plenário de trabalhadores realizado na sexta-feira, convocado a propósito da greve geral de dia 11, e critica a decisão da UER de manter Israel na Eurovisão. No documento, os trabalhadores afirmam que a permanência da KAN, a televisão pública israelita, "contribui para a normalização de um Estado acusado de crimes de guerra e de graves violações de direitos humanos amplamente denunciadas pela comunidade internacional". Consideram ainda "incompreensível" que a RTP tenha confirmado a participação portuguesa e apoiado as novas regras do festival "que, na prática, mantêm Israel na competição", defendendo que um serviço público financiado pelos contribuintes deve pautar-se por princípios de ética, coerência e respeito pelos direitos humanos.
O objetivo é que o Conselho de Administração se pronuncie publicamente contra a participação de Israel em 2026 e que reavalie com urgência a presença portuguesa no certame. Para os trabalhadores, a RTP deve assumir uma posição clara e exemplar numa matéria que dizem ser "simplesmente humana".
O documento, que será enviado à administração liderada por Nicolau Santos, é subscrito pelas listas A e B da Comissão de Trabalhadores, pela Subcomissão de Trabalhadores do Porto e por vários sindicatos do setor da comunicação e audiovisual, entre eles o Sindicato dos Jornalistas, o Sindicato dos Trabalhadores de Telecomunicações, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e do Audiovisual, o Sindicato dos Meios Audiovisuais e o Sindicato Independente dos Trabalhadores da Informação e Comunicações.
Música e política em palco
A contestação também ganhou dimensão pública com Salvador Sobral. O vencedor português da Eurovisão em 2017 lamentou que a RTP mantenha a presença na competição e afirmou que a estação pública "tem medo de fazer a coisa certa". Num vídeo partilhado no Instagram, criticou a incoerência de a RTP transmitir, na quinta-feira, o concerto solidário "Juntos por Gaza", enquanto apoia um evento onde Israel participará.
O músico destacou a mobilização do público e dos artistas em torno do apoio humanitário. Sublinhou que não é contra o Festival da Canção, que considera essencial para os artistas portugueses, mas defende que o vencedor não represente o país em Viena, devendo receber outra forma de reconhecimento.
A RTP sustenta que a participação portuguesa resulta das alterações às regras de votação aprovadas pela UER, apresentadas como garantia de maior confiança e transparência no processo.
Boicotes crescem e Bélgica coloca presença em dúvida
O descontentamento com a permanência de Israel na Eurovisão também se faz sentir além-fronteiras. Espanha, Países Baixos, Irlanda e Eslovénia já anunciaram que não participarão em Viena, alegando que a presença israelita é incompatível com os valores do serviço público de media.
Na Bélgica, onde a representação no festival é alternada entre a RTBF e a VRT, a decisão permanece em aberto. A RTBF tinha praticamente concluído o processo de escolha do representante belga, mas adiou o anúncio após a assembleia da UER. A VRT, que transmitirá o evento, lamentou que não tenham sido adotadas medidas para restaurar o caráter unificador da Eurovisão, embora respeite a votação maioritária entre os membros. A emissora alerta que o compromisso futuro dependerá da forma como a UER responder às preocupações com paz, compaixão e direitos humanos.
Cultura como ponte em tempo de guerra
Em contraciclo com o ambiente de rutura que marca o debate europeu, surgem apelos à aproximação vindos de artistas israelitas. Noa, que representou Israel na Eurovisão de 2009 ao lado de Mira Awad, recorda que a cultura deve promover encontros e não afastamentos. A cantora defende que a arte "deve ter sempre liberdade de expressão, de movimento e de presença" e que o festival pode ser um espaço de diálogo onde se constroem pontes em vez de se queimarem.
Noa apela ao apoio a israelitas e palestinianos que defendem a coexistência e veem na humanidade do outro um caminho para a paz. Sublinha que essas vozes enfrentam riscos elevados por se posicionarem contra a violência e que precisam de ser protegidas, não silenciadas.
Apesar de criticar os boicotes, admite que Israel poderá não estar pronto para celebrar em 2026. Para a artista, abdicar do festival no próximo ano poderia ser um gesto de solidariedade com todos os que sofrem, regressando apenas quando existir "uma paz verdadeira, duradoura e justa, construída com respeito mútuo, compromisso e boa vontade".

