Os cantares da celebração ecoaram quando o Mundial de futebol de 2010 foi entregue à África do Sul. Os optimistas anunciaram a plenos pulmões: "É a vez de África". Os africanos ripostaram na mesma proporção: "Nós somos capazes".
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A realidade, porém, foi tratando de atenuar tamanha festividade. Por muito que o continente africano queira ser notícia por boas razões.
Um mundial de futebol é, por tradição, uma prova desportiva de massiva exposição mediática. Para lá da apoteose dos golos e da mobilização dos fãs, há muitos milhões de euros e dólares a circular, muitas marcas a querer facturar fortunas. Nada de mais natural num mercado livre e feroz. E há aquele factor determinante chamado "efeito Mundial no turismo". O país espera hordas de visitantes estrangeiros e tenta corresponder à imagem de nação próspera, relativamente segura e recheada de tesouros naturais. Os africanos dos países vizinhos estarão presentes, de acordo com as previsões, em número diminuto.
Um governo chamado FIFA
Pese embora a virtude de um olhar mais emocional sobre o efeito catalisador desta prova no brio colectivo africano, a verdade é que, seja em Inglaterra ou seja em África, quem realmente faz mover estas montanhas é a FIFA, o governo do futebol internacional.
E não será nenhum ultraje concluir que este governo do futebol internacional se esforça mais por agradar à Coca-Cola ou à McDonalds do que contribuir para o engrandecimento da causa africana. Afinal, são as grandes multinacionais que passam os cheques. Basta ver que empresas e sectores sonantes do também conhecido país do arco-íris foram postos de lado. E com eles outras "brands" daquele continente. A cerveja sul-africana Breweries, o maior fabricante do Mundo, foi trocada pela popular Budweiser. Mas há mais exemplos.
Por isso, há muitos observadores que têm perguntado: quem vai realmente beneficiar do primeiro Mundial de futebol disputado no continente africano? A FIFA certamente que sim (no Mundial anterior, na Alemanha, em 2006, lucrou qualquer coisa como seis mil milhões de euros); quanto aos africanos, é cedo para sentenças.
Será, todavia, injusto acusar o povo africano - e mais concretamente os sul-africanos - de não estar à altura dos acontecimentos. Lá, como cá, também se gerou uma acesa discussão sobre os gastos públicos inerentes a tão onerosa empreitada, também se colocaram muitos pontos de interrogação antes da construção dos estádios.
Mas o sonho avançou. Cimentou-se. E, uma vez erguido, resultou numa cabal demonstração da força de realização dos sul-africanos, na capacidade de se organizarem, de mostrarem ao Mundo que a África se agiganta quando lhe falam nesse desporto mágico que é o futebol. Este país, este continente, desta vez, não se envergonha de ter fome. Fome de bola.