Não era que não gostasse de estudar, mas a paixão pelos automóveis acabou por falar mais alto e ditar que decidisse que essa seria a sua vida. Aos 13 anos, quando saía da escola, José Silva, "Zé" para os amigos, passava as tardes numa oficina de esquina perto de casa, à volta dos mecânicos, e acabou por se interessar "bastante" pelos automóveis.
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Em casa, todos começaram a pensar que talvez fosse boa ideia juntar o útil ao agradável e incentivaram-no a seguir um curso profissional de mecânica. Zé entusiasmou-se, aceitou a sugestão e não está nada arrependido: hoje tem 21 anos, trabalha há pouco mais de um mês nas oficinas da companhia Carris, em Lisboa, e já pensa em continuar os estudos. Quando puder, quer licenciar-se em engenharia automóvel.
A decisão de seguir a via profissional foi tomada quando Zé ia entrar para o 7.º ano. Deixou a Escola Secundária Filipa de Lencastre, em Lisboa, onde até então estudara, e mudou-se para a Casa Pia, uma das escolas que tinha o curso de mecânica. As disciplinas base eram iguais às do ensino regular (português, matemática, inglês, francês, fisico-química e desenho), a que se juntavam as específicas do seu curso: mecânica e electricidade.
Zé esteve na Casa Pia até ao 9º ano, altura em que lhe sugeriram que mudasse de escola. Falaram-lhe na ATEC, uma academia de formação em Palmela, constituída pela VW Autoeuropa, Siemens, Bosh e Câmara de Comércio e Indústria Luso-alemã que, desde 2004, ministra vários cursos profissionais (com equivalência ao 12.º ano), nas áreas das empresas que a constituem. Zé aceitou o desafio, escolheu o curso de mecatrónica automóvel (uma junção de mecânica e electrónica) e admite que não podia ter feito melhor escolha. "Gostei muito da ATEC, foi onde me ensinaram tudo o que sei até hoje. É uma escola com excelentes condições, tanto ao nível da aprendizagem técnica como das restantes disciplinas", diz, recusando a ideia de que estes cursos sejam mais fáceis do que o ensino científico-humanístico.
"Não é por optarmos pelo ensino profissional que vamos ser menos inteligentes do que os outros. E há sempre a mais valia de termos uma parte técnica. Não há ninguém, ao nível do 12º ano, que tenha os mesmos conhecimentos de mecânica que eu", afiança, mostrando-se empenhado em prosseguir os estudos. "Iria ter outros conhecimentos e garantias", diz, apontando como hipótese os Institutos Politécnicos de Setúbal ou de Leiria para fazer a licenciatura em engenharia automóvel.
Maria Fernanda Prates, 70 anos, trabalhou durante mais de 25 anos no Serviço de Psicologia e Orientação (SPO) da Escola Secundária Pedro Nunes, em Lisboa. E elogia a aposta dos últimos anos no reforço do ensino profissional, abrindo cursos também nalgumas escolas secundárias. Para esta professora conselheira de orientação (actualmente reformada), os cursos profissionais são "fundamentais" e podem ser uma "excelente solução" para um determinado perfil de alunos, com dificuldades cognitivas ou emocionais. "É absolutamente necessário que existam, até porque é onde estes alunos estão bem. E podem ser excelentes técnicos nas suas áreas", garante, embora reconheça que ainda existe "muito desconhecimento" (até da parte dos professores) e "desconfiança" dos pais.
Da sua experiência em orientação vocacional, Fernanda Prates reconhece que "há sempre uma resistência grande por parte dos pais", em especial os de um estatuto social mais elevado, por temerem o tipo de colegas que os filhos vão ter. Receiam também que os cursos tenham menos saídas profissionais e não preparem tão bem os filhos para o ensino superior, caso decidam prosseguir os estudos. Nalguns casos, admite a professora, os pais até "têm razão" para temer porque "nem sempre as escolas têm os equipamentos e materiais necessários" para formar os alunos e "nem todos os professores têm perfil para isto". "Há espaços muito bons, outros menos bons", diz, sugerindo que, antes de escolherem a escola, pais e alunos vão conhecer as instalações e informar-se sobre os cursos.
Apesar de tudo, Maria Fernanda Prates não hesita em afirmar que os cursos profissionais e os cursos de educação e formação (CET) são uma das melhores armas de combate ao abandono escolar.
Só espera que a sua generalização - o Governo quer que este ano 50% dos alunos estejam inscritos em cursos de dupla certificação -, seja acompanhada do reforço do reforço de profissionais (psicólogos e professores) que ajudem os alunos na escolha do melhor percurso profissional.