<p>"Vejam só! A fazer isto ao pé da igreja... Isto é uma porcaria". Ouviu-se tal indignação da boca de uma senhora, à porta de Santa Cruz de Coimbra, onde se crê estar sepultado o rei fundador. Não o disse perante nojeira ou obscenidade, mas ao ver que toda aquela zona, onde ficam também os Paços do Concelho, parecia tomada de assalto pelos vendilhões do templo.</p>
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PSD e PS tinham concentrações ali marcadas na manhã de ontem, via-se gente de pequenos partidos e até um candidato independente à Câmara da cidade tinha o estaminé lá montado. Na luta dos maiores, Manuela Ferreira Leite foi a primeira a percorrer o corredor da fama, formado pelas ruas Visconde da Luz e Ferreira Borges. Em triunfo, se o podemos dizer sem parecermos exagerados, o que representará várias coisas: a campanha laranja anda por zonas mais favoráveis, as distritais estão mais empenhadas na mobilização e, sendo sábado, havia mais gente disponível.
Campanha eleitoral é, em muitos aspectos, um retrato do país que temos. E a pedinchice - não há palavra suave para isto - ultrapassa todos os limites do razoável. Muita gente, apenas de passagem, acotovela-se para receber canetas, bonés, bandeiras. "Arranje-me lá mais uma", gritava um cidadão de braço estendido para receber esferográficas. "Pegue lá isto", dizia uma rapariga da JSD, entregando o folheto eleitoral e vendo que o homem virava costas, satisfeito com as prendas e indiferente à política. Mais descarado era outro que, de boné na mão, dizia alto para o lado: "Nestes é que eu não voto".
Cenas destas repetem-se em todos os lados e com todos os partidos, mas foram ontem notórias por o público ser mais numeroso do que o costume. No percurso da arruada, a "onda laranja" (assim cantam) mais parecia uma avalancha descontrolada. Na fila da frente, com a líder, seguiam Paulo Mota Pinto, o cabeça-de-lista no distrito, e uma aquisição importante, Paulo Rangel, a quem muitos apontam quase todo o mérito pela vitória nas europeias. "Não estou a chegar tarde à campanha. Já estive no 'Prós & Contras', a defender as nossas ideias, e estive em Estrasburgo", diz.
Mas Rangel não é propriamente um político exuberante, no que respeita ao contacto com o povo, disfarçando os sinais de desconforto. Vale-lhes que a dita onda ganhe vida própria. Das janelas, aqui e ali, quilos de papelinhos da cor social-democrata iam sendo lançados ao vento, da Câmara à Praça da Portagem, onde esperava uma mesa de esplanada e garrafas com água. Jaime Marta Soares, o dinossáurico autarca de Vila Nova de Poiares, sentava-se junto à presidente, atirando ao ar algumas frases para os repórteres ouvirem: "Temos de beber agora muita água, porque no dia 27, à noite, vamos beber muito champanhe".
Era tempo de se despacharem, pois a "onda rosa" estava prestes a cumprir o mesmo percurso.