"Vais ter a antena da Optimus na tua casa?" Só Deus, a voz ao telemóvel e Manuel Cândido, responsável pelas oficinas da Câmara Municipal de Paredes de Coura, sabem a futura localização do transmissor, mas, em rigor, o que importa é o simbolismo da atitude.
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Na vila, Verão é época de festival - desta vez, da próxima quarta-feira até ao sábado seguinte, milhares de peregrinos e Peter Hook, The Specials, Caribou, The Cult, Memory Tapes, Klaxons, Mão Morta e Los Campesinos, entre mãos cheias de outros, vão até à sombra minhota - e, assim sendo, tudo e todos dão a camisola e três tostões para serem úteis.
Aliás, uma das características mais relevantes entre as diversas equipas ligadas à organização do festival é, precisamente, a de assumirem que na execução das tarefas não consta apenas a obrigação profissional; o gosto - e o gozo - espraia-se pelas palavras.
Se Manuel Cândido - que, na quinta-feira passada, já estava a dar para a edição deste ano há cerca de um mês - marca o ponto desde 1993 (data do primeiro "Paredes de Coura"), Lino Machado, coordenador do espaço, ou seja, responsável pelos cerca de 200 trabalhadores da produção, celebra agora 16 anos courenses.
"Não estou aqui só para passar o recibo verde. Tenho o maior orgulho em fazer isto. A camisola é tão próxima que até já vivi cá. Costumo dizer que conheço metade de Coura e que a outra metade me conhece". Pronto, caso encerrado.
Contratos e campos. Muitos campos
Imperturbáveis camiões parados, bilheteiras ainda fora de serviço, invectivas de nível de cortesia oscilante entre os trabalhadores são alguns dos inúmeros pontos do cenário pré-música.
"Neste ano, vamos ter um parque de estacionamento para cinco mil carros. Chegámos a acordo com o dono do terreno", revela João Carvalho, da Ritmos, organizadora do festival. Outra novidade: o festival vai ter um supermercado.
As gruas trabalham, o homem ajuda.
Ainda em termos de auxílio, a Câmara disponibiliza "meia centena de funcionários, metade dos quais dos quadros da autarquia. Os outros são contratados especificamente para esta altura. Tratam, por exemplo, das questões eléctricas, de limpeza...", afirma Ana Rebelo, da direcção de Obras Municipais, há uma década em missão na festa. "Muitas vezes, já não é trabalho, é prazer".
Os chuveiros estão aptos a molhar corpos e as bancas a receber louça. Por seu lado, as sanitas resignam-se e aguardam o momento em que, muito provavelmente, vão ficar intransitáveis.
António Pimenta já anda entretido com as vedações desde o passado dia 5. É responsável por elas. Tem à volta de 20 pessoas sob a sua supervisão e há sete anos que se dedica à causa. "Isto custa cada vez menos, estou sempre à espera do festival. É mais interessante do que os outros serviços". A experiência não evita que lá "aconteça um buraco ou que uma vedação vá abaixo, mas são coisas esporádicas".
Facto bizarro em relação ao "Paredes de Coura" é a circunstância de o recinto e áreas adjacentes estarem divididos por dezenas de proprietários, tantos quantos os terrenos que são "vítimas" do festival. "Sempre que se tem de levar a cabo uma intervenção mais profunda, temos de falar com eles todos", revela João Carvalho.
De qualquer modo, as primeiras edições "eram mais complicadas. Agora, não há stress nenhum", salienta Manuel Cândido.
Até pode ser que sim. Porém, Lino Machado não facilita. Em particular, no que respeita à segurança. "É o aspecto mais melindroso". Curiosamente, a enxurrada que "lavou" o festival em 2004 foi um ponto de viragem. "Aprendemos muito. Depois daquela situação, conseguimos fazer tudo em termos de produção". No entanto, na altura, "tudo foi considerado para precaver as questões de segurança. Inclusive, cancelar".
Além disso, o coordenador refere outro item determinante, o da imagem. "Tem de estar conforme o que a organização e os patrocinadores idealizaram, senão..."
De regresso à chuva. Desta vez, pela voz de João Carvalho e na perspectiva puramente comercial. "Basta chover para termos problemas. Somos um país de mariquinhas. Se chove, as pessoas não saem de casa".
Por outro lado, o produtor ressalva que não descansa enquanto não considera tudo pronto. Pelos vistos, o repouso está-lhe vedado. "Sinto sempre que nunca está tudo a 100%. Penso: 'neste ano, não vai correr bem, a segurança...' Sempre a sensação de que não estamos a postos para o festival".
Às vezes, a vida é difícil
João Carvalho tem um telemóvel incontinente. A proximidade do início do festival acentua a enfermidade. Há, contudo, um lado positivo: o co-proprietário da Ritmos especializou-se na tarefa de comer só com uma mão.
"Os homens do palco principal?" "Ainda não chegaram, ficaram de estar cá às 9 horas". João e Lino resignam-se. Por agora.
"Problemas acontecem sempre. A parte mais complicada é, de facto, a pré-produção", condescende o coordenador do espaço.
Placas, cartazes, "pins", sacos, bonés, t-shirts e restantes milhentos artefactos dos patrocinadores só vão decorar pastos, arvoredo e o que mais houver no recinto do festival porque a equipa de João Carvalho começou em Janeiro a sensibilizar os "sponsors" para a alegre vida no campo. "É a fase mais penosa. Não gosto muito, mas tem de ser. Ainda assim, actualmente, encaro isso com mais calma do que há cinco anos, por exemplo".
Confere. Isto porque o fundador do "Paredes de Coura" já tem 2011 nos olhos. "Vamos mudar as datas para Agosto. O festival do próximo ano vai ser perfeito".
Pode não acontecer. Mas agrada acreditar em alguém que, em 1996, chorou quando viu a Rollins Band no palco. "Inchei de orgulho, tinha os meus ídolos no meu festival".
Na primeira edição, três anos antes, não tinha havido bilhetes. "Fizemos questão".