Ao descermos a escadaria, tomada por trabalhadores de colete verde fluorescente, plásticos sujos e placas amarelas que informam os utentes sobre como não tropeçar nos objectos, sente-se de imediato o cheiro a tinta fresca.
Corpo do artigo
O cenário condiz mais com uma fase pré-inaugural do que com o inverso. Mas os últimos retoques na estação de Sandton do Gautrain, primeiro comboio de alta velocidade do continente africano, não ficaram condicionados pela data de arranque da operação. E a obra nasceu assim tipo à portuguesa: inaugura-se primeiro e acaba-se depois.
[Videojn:1605299]
O dia 8 de Junho foi de regozijo colectivo. Ou não fosse esta uma infra-estrutura que muitos tinham condenado ao fracasso, como, de resto, parece ser a sina de todos os grandes projectos no mais desenvolvido país africano. "Viva o Gautrain, viva," exultou o ministro dos transportes sul-africano, Jeremy Cronin. "Acima de tudo, viva o transporte público, viva!" Pese embora o entusiasmo político, a verdade é que o Gautrain ainda tem muito de luxo e pouco de transporte público. Por aquilo que pudemos verificar durante uma viagem entre o centro de Joanesburgo e o aeroporto, nele apenas viajam turistas ou elites sul-africanas bem empregadas, que necessitam de fazer deslocações rápidas dentro de uma cidade caótica no que respeita ao trânsito; ou que usam muito o avião, beneficiando, assim, da rápida ligação ao aeroporto internacional Oliver Tambo (menos de metade do que levariam se fossem de automóvel).
Chris, sul-africano acompanhado da mulher e de três filhos pequenos, estava deliciado. "É a primeira vez que viajo e estou a adorar. É fantástico. Vai ser muito importante para ajudar a diminuir o trânsito, logo que a ligação a Pretória esteja concluída. Em Joanesburgo, toda a gente tem um carro e isso é terrível", confessa, ele que, no futuro, passará a adoptar o Gautrain.
A seu lado, Tracy não conseguia esconder um sentimento que perpassou junto de muitos cidadãos: o Gautrain simboliza a capacidade de realização africana, naquela que foi a maior parceria público-privada jamais efectuada naquele continente. "É inacreditável. Fico muito orgulhosa de ser sul-africana", garantiu. "Vou usá-lo muito", acrescentou. Sobre o preço, admitiu ser um pouquinho mais alto do que esperava, mas foi lembrando que, se contarmos os gastos com combustível e o parque de estacionamento, os 10 euros que se pagam por uma viagem de 15 minutos até ao aeroporto até são razoáveis.
O Gautrain ainda está a dar os primeiros passos. E isso é notório em pequenos detalhes: os utentes ainda não sabem como carregar o cartão dourado (ler ficha), os funcionários ainda andam meios atarantados com as informações a prestar, as escadas rolantes ainda não rolam e há sul-africanos que fazem questão em tirar uma fotografia com o comboio de alta velocidade em fundo, como se a estação fosse o zoológico e o vistoso TGV o animal recém-nascido.
Seja como for, uma coisa já ninguém tira aos africanos. Tal como aconteceu com a organização do Mundial, também com o comboio de alta velocidade deram uma prova ao mundo de que os arautos da desgraça que cuspiram críticas para o ar acabaram por ver o seu pessimismo esfregado na cara.