O que têm em comum pórticos de portagem e uma caixa para ver televisão, ir à net, fazer videochamadas, fazer compras, tudo sem sair do sofá? Teoricamente nada. Na prática: tudo. A Portlane ganhou experiência no desenvolvimento de sistemas de cobrança automática de portagens. Aprendeu a dominar as redes de fibra óptica e reuniu o know how para se aventurar no mercado das tecnologias de televisão. Prepare-se para conhecer a Quidbox, uma peça de hardware portuguesa.
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Um dia todos os televisores dispensarão telecomandos e bastará um gesto para mudar de canal, ou alterar o volume do som. Um dia será possível que o filho possa jogar um jogo no mesmo ecrã em que a mãe está a ver a novela. E um dia a minha televisão será capaz de me reconhecer automaticamente, oferecendo de imediato um menu de conteúdos adaptado aos meus gostos ou às preferências de toda a família.
Esse dia nunca esteve tão próximo e a responsabilidade é de Paulo Silva, 43 anos, CEO da Portlane. Em 2012 a ideia da Quidbox surgiu-lhe "ao estar constantemente à procura de comandos" e a fazer zapping "sem encontrar nada do que queria ver."
"Comemos três pizzas iguais servidas pelas três operadoras", mesmo que não consigamos comer uma pizza inteira. Esta é a forma que Paulo Silva encontra para nos explicar o que pensa serem as falhas do atual modelo de negócio da televisão por cabo. "No futuro vamos pagar apenas os programas que estamos a ver, ou o jogo de futebol que se quer ver", em linha com a oferta que o Netflix, dos Estados Unidos, já disponibiliza.
O foco está na forma como o consumidor acede a programas ou séries. "As boxes têm de ter um conjunto de aplicações mais adaptadas às pessoas, em vez de serem as pessoas a adaptarem-se à tecnologia".
E assim se explica a essência do que será a Quidbox, um "gadget" com uma nova metáfora de interação entre o utilizador e a tv. "Usamos comandos há não sei quantos anos... Tinha de haver uma forma mais natural de interagir". Aqui os comandos desaparecem e deixam lugar a uma câmara e um microfone responsáveis por interpretar as ordens de voz e os gestos do utilizador que, em conjunto, permitem explorar todas as funcionalidades do sistema.
Dos pórticos para a "porta" da TV
A Portlane nasce em 2007 numa altura em que "nem se falava em SCUTS ou em sistemas de portagens electrónicas." "Começámos numa garagem" e quando lançámos o projeto "tínhamos o plafond do cartão de crédito". A atividade arranca com o impulso de um desafio lançado por uma empresa francesa, então fornecedora internacional das soluções instaladas nas estradas geridas pela AENOR, hoje Ascendi. O fabricante não estava satisfeito com o parceiro português que aqui tinha na altura "e escolheu-nos para lhes dar apoio na implementação destes projetos."
Desde o primeiro momento trabalharam 24 horas, 365 dias por ano, "porque as autoestradas nunca fecham". "Tínhamos de dar garantia de que a informação recolhida nos pórticos chegava aos servidores. E para isso temos uma rede".
A necessidade de saber gerir redes de fibra óptica obrigaram a empresa a adquirir know-how. A aposta fez-se acompanhar de novos desafios colocados por operadoras como a PT e a Vodafone e em 2011 surgiu um grande projeto de instalação de uma rede de fibra ótica na ilha de Guadalupe, nas Caraíbas, ao serviço de uma empresa francesa.
A cada passo os desafios aumentavam em complexidade e em dimensão. "Sempre desenvolvemos as nossas aplicações de controlo de produção e sempre tive uma visão de escala". Paulo explica que com essa preocupação, "desenharam todas as soluções para um mercado global."
Dito isto: o conhecimento de redes de telecomunicações que não podiam falhar reuniam assim o know how para criar um dispositivo multimédia como o Quidbox.
Um novo paradigma para ver televisão
O desenvolvimento foi feito fora da empresa, fruto de uma parceria com o IPCA, o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, que detinha três áreas de conhecimento que se revelariam estratégicas para o Quidbox: "Os jogos digitais, a electrónica e o design industrial." Com uma "equipa nova, escolhida de raiz e focada no utilizador", começaram os primeiros desenvolvimentos...
Não houve financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. O investimento foi financiado pela própria Portlane. Com uma equipa de seis investigadores, em ano e meio estava criado o Quidbox. O resultado é "um gadget novo para a família", que permite uma "personalização familiar ou individual, uma vez que o sistema tem a capacidade de nos reconhecer". "Eu coloco-me à frente da BOX, ela reconhece-me e automaticamente a televisão assume todas as minhas preferências".
Para funcionar apenas é preciso uma ligação ativa à internet e embora a própria caixa ofereça conteúdos televisivos gratuitos disponíveis na internet, Paulo Silva garante que "não quer ser um concorrente das operadoras, mas antes um complemento".
Aliás, para ver canais exclusivos das operadoras nacionais, a Quidbox não dispensa o uso dos descodificadores do operador. Está previsto, porém, que o zapping e o acesso ao próprio "Guia TV" possa ser gerido diretamente no interface da Quidbox.
A Caixa que "dá crédito" para ver publicidade
O facto dos utilizadores da Quidbox serem identificados pelo sistema, torna-a num veículo publicitário por excelência. Paulo Silva quer "democratizar o acesso das empresas ao ecrã de televisão". "Você pode ter um orçamento de 50 Euros e querer fazer publicidade em televisão, mas hoje não tem essa solução." O que a Quidbox vai permitir é uma segmentação da publicidade para nichos, "independentemente do orçamento de pequenas, médias mas também grandes empresas."
Se temer um dilúvio de banners, fique já a saber que será possível desativar estas layers de publicidade, mas Paulo Silva explica que há vantagens em mantê-las ativas, pois os utilizadores poderão "receber créditos, que se traduzem em conteúdos ou em compras!"
Além desta vertente, Paulo Silva quer investir no chamado "Programatic Buy". Aqui, a programação acabará "etiquetada" por "tags publicitárias" que surgirão estrategicamente associadas aos conteúdos que estejam a ser emitidos em cada momento. "Será possível comprar o livro de que um escritor esteja a falar numa entrevista" a partir de um pop-up no ecrã do televisor, por exemplo.
A box que deixou o Netflix em pulgas...
Em Janeiro último a Portlane esteve representada no CES - The International Consumer Electronics Show, em Las Vegas. Foi um atrevimento porque "fica muito caro para uma empresa pequena, mas achamos que valeu a pena". E não é para menos. Num palco partilhado com gigantes como "Samsung, LG, SONY, ou TIVO" a Quidbox concorreu aos prémios de inovação, e o resultado foi uma "Menção honrosa" na categoria de "Innovations Design and Engineering Awards" em "Home Audio Video Components."
Desta experiência ficaram contactos privilegiados com players como o Netflix que, segundo Paulo Silva, "acharam o Quidbox extraordinário". Ainda assim o mercado americano terá de esperar. Primeiro será preciso consolidar o sistema num "teste piloto em Portugal, por se tratar de um mercado maduro". Depois de "conquistar a Europa" é que se poderá sonhar com o mercado americano.
Timewarp para o futuro e mais além
O "teste piloto" está programado para 2015 com o lançamento da Quidbox no mercado. No primeiro ano a meta é chegar às cem mil unidades vendidas. Este gadget terá um custo previsto de 99,90 euros, a que acresce uma assinatura anual (facultativa) de 19 euros para manter o sistema atualizado com "novas funcionalidades que vão aparecer todos os anos".
Outros clientes que poderão estar de olho nesta caixa são as empresas de audiometria como a GFK. Uma plataforma capaz de identificar os membros de um agregado familiar, que regista os gostos, os canais e os conteúdos televisivos visionados sem que os utilizadores auditados tenham literalmente de "mover uma palha".
As potencialidades são muitas, mas tudo irá depender da primeira impressão que a tecnologia causar nos "gestos" e "comandos de voz" dos portugueses "early adopters". Se tudo correr bem, estará aberta a "Caixa de Pandora" para uma nova forma de olhar a televisão.