<p>Kopano, o mais velho, o mais alto e o mais forte, é o dono da bola. O resto da equipa verga-se aos seus caprichos. Quando ele diz para parar, eles param. Quando ele diz que é falta, não é preciso que ninguém apite para o livre ser marcado. Quando a bola saltita para a estrada deserta, os três craques mais franzinos da equipa de rua já sabem o que lhes calha em sorte. Ser dono da bola, para Kopano, gorro vermelho mergulhado até às sobrancelhas, 12 anos de matreirice profissional, é ser fiel depositário de uma redonda amálgama de papel de jornal embrulhada em sacos plásticos. Tudo devidamente revestido a fita adesiva. </p>
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Ali, a escassos dez minutos do Soccer City, o majestoso recinto que acolheu a abertura e vai ser palco da final do Mundial de futebol na África do Sul, não há jabulani, não há vuvuzelas, não há chuteiras de marcas pomposas e cores garridas. Ali, naquele estádio improvisado que só por um acaso é uma rotunda em terra num dos múltipos acessos ao bairro do Soweto, nos arredores de Joanesburgo, onde se imaginam balizas em árvores de tronco frágil, o futebol joga-se de uma forma encantadoramente primitiva. Exactamente como nos fazem crer nos anúncios televisivos das marcas que lucram com chuteiras de cores garridas.
A selecção de rua capitaneada por Kopano mora ali perto, faz daquele o seu Mundial de futebol de fim de tarde. Um anda descalço, os outros pisam solas gastas, daquelas que dão para tudo. Posam para a objectiva e levantam o queixo, quais imperadores sem reino, tentando imitar a fleuma de Ronaldo, o astro que lhes ilumina as corridas, o talentoso jogador de um país que eles nem sonham onde fica.
"Kopano! Kopano!", grita um deles, correndo desalmadamente na direcção oposta. Kopano, o capitão Kopano, dobra o torso rechonchudo para a frente e despede-se de nós com um olhar desculpabilizante. Há coisas mais importantes. E passar a jabulani de papel ao amigo que se desmarca naquele estádio de terra sem balizas, sem marcações e sem espectadores é uma dessas coisas.