Pedrinho Matador construiu uma lenda, feita de violência e sangue. Considerado o maior assassino em série do Brasil, com 71 mortes "confirmadas" pela Justiça, e mais de 100 reclamadas, converteu-se ao cristianismo em 2018 e criou um canal no Youtube a alertar para os malefícios da vida de crime. Morreu no domingo "Pedro Rodrigues Filho, ex-matador", como se definia após sair da cadeia.
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"Quem mata pela espada, morrerá pela espada". O versículo de São Mateus aplica-se a "Pedro Rodrigues Filho, ex-matador", o novo cristão conhecido no Brasil como "Pedrinho Matador", assassinado a tiro no domingo de manhã, nos arredores de São Paulo. A lenda, que cresceu à lei da bala e da faca, terminou de forma violenta. Um grupo de encapuzados eliminou o mais prolífico assassino em série brasileiro, acusado de 71 homicídios, incluindo o do próprio pai, dos mais de 100 assassinatos que diz ter no historial.
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A morte do pai é um exemplo do retorcido sentido de justiça daquele criminoso, que vingou a morte da mãe ao matar o progenitor na cadeia onde ambos cumpriam pena. "Ele deu 21 facadas na minha mãe, então dei 22", disse Pedrinho Matador, num programa da TV Record. "O povo diz que comi o coração dele. Não, eu simplesmente cortei, porque era uma vingança, não é? Cortei e joguei fora. Tirei um pedaço, mastiguei e joguei fora", disse ainda Pedrinho Matador ao mesmo programa daquele canal brasileiro, numa das várias entrevistas que deu a vários meios de comunicação social brasileiros.
"Toda a construção da identidade do Pedrinho foi formada em cima da lenda do mal e está baseada na vida criminosa dele", comentou Ilana Casoy, escritora brasileira que entrevistou Pedrinho Matador na cadeia, em 2005, para o incluir no livro "Serial Killers Made in Brazil", publicado em 2014. "Há várias lendas. E ele aprendeu a usar a lenda que ele mesmo criou em torno do próprio nome", acrescentou.
As lendas têm algo de místico e nebuloso. No caso de Pedrinho Matador, é difícil saber quantas pessoas matou. A Justiça condenou-o por 71 homicídios, cerca de 50 cometidos na cadeia; Pedrinho diz que matou mais de 100 pessoas ao longo de cerca de 50 anos de crime, 42 passados na cadeia. A lenda e a realidade confundem-se desde o início, numa história de vida marcada pela violência ainda antes de nascer.
Pedro Rodrigues Júnior nasceu a 29 de outubro de 1954, em Santa Rita do Sapucaí. Veio ao mundo com uma marca no crânio causada pelos pontapés que o pai dera na barriga da mãe durante a gravidez. Pedrinho fugiu de casa aos nove anos, deixando para trás uma vida de abusos, para se iniciar no crime em São Paulo, depois de uns meses a viver com os padrinhos.
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Aos 11 anos vivia de assaltos na maior cidade do Brasil e foi ainda criança que terá cometido o primeiro crime. Diz-se que assassinou um traficante de droga, Jorge Galvão, o cunhado e o irmão deste. "Não acreditaram em mim, um menino magro, que mal conseguia segurar a automática", disse em entrevista ao Estadão.
É o que se costuma chamar de "matéria de lenda", a forma como diz ter cometido os primeiros crimes. Mas, numa entrevista à revista "Época" terá dito que teve vontade de matar pela primeira vez... aos 13 anos. Quando empurrou um primo para uma prensa de cana de açúcar. Uma versão que nunca foi esclarecida.
A primeira morte confirmada pela Justiça aconteceria quando tinha 14 anos: usou uma espingarda do avô e matou o vice-presidente da Câmara de Alfenas, em Minas Gerais, por ter despedido o pai, que era guarda escolar, acusado de roubar merendas. Depois matou um segurança, que se supunha ser o verdadeiro autor do furto. E aí começou a escrever o código ético e moral retorcido que fez dele um justiceiro... com pés de barro.
Após o crime de Alfenas, fugiu para Mogi das Cruzes, onde manteve a carreira de furtos e se dedicou a matar traficantes de droga. Envolveu-se com uma mulher conhecida por Botinha, viúva de um "dealer". Começou por eliminar alguns rivais, somando mais vítimas ao historial, e assumiu o "cargo" do defunto da companheira.
Botinha foi morta pela polícia e Pedrinho deu à sola, mas manteve-se no negócio do tráfico de droga. Viria a envolver-se, mais tarde, com Maria Aparecida Olímpia, por quem se dizia apaixonado. Quando encontrou a mulher morta, a tiro, torturou e matou várias pessoas para descobrir quem tinha cometido o crime. Quando apurou que se tratava de um traficante rival, invadiu um casamento, acompanhado de quatro amigos, e matou sete pessoas, "alvo" incluído, e feriu mais 16.
"Não mexo com ninguém, levo minha vida. Mas se atravessarem meu caminho, mato mesmo. Todos que matei quiseram me desafiar, me enfrentar. Quando dou meu primeiro golpe, não me controlo mais. Sou assim mesmo. Mato, mato e mato", disse numa entrevista à revista "Época", em 2003.
Antes dos 18 anos, Pedrinho já tinha um longo historial de mortes no cadastro. Foi preso pela primeira vez em 24 de maio de 1973, ao atingir a maioridade. Na viagem para a cadeia, matou o homem que o acompanhava na carrinha prisional, um violador. É um dos crimes, dos muitos que cometeu no sistema prisional, que lhe dão a aura de justiceiro, de alguém que mata pelo bem. "Ele matava pelos mais variados motivos, em motins ou rebeliões. Mas nunca por justiça. Ele eliminava o que ele não achava bom, pelo código dele", argumenta Iliana Casoy.
"Eram pessoas que não prestavam", justificou-se numa das várias entrevistas. Violadores, traidores e outros assassinos, incluindo o homem preso por matar uma irmã. "Era meu amigo, mas eu tive de o matar", disse Pedrinho Matador. "Não tenho nenhum arrependimento. Mato e é tudo natural", afirmou, em entrevista à revista "Época", em 2003. "Não temo nada. Nunca temi. Desde que fugi de casa e caí no mundo. O importante é estar preparado. Tenho uma força que me ajuda a matar", disse.
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Pedrinho Matador foi libertado da cadeia em 2007 e mudou-se para uma quinta no nordeste do Brasil. Voltou a ser detido em 2011, para cumprir pena por crimes de insubordinação cometidos na cadeia, antes de ser definitivamente libertado em 2018, aos 63 anos.
O homem que tinha no braço esquerdo tatuada a frase "mato por prazer" converteu-se ao cristianismo e criou um canal no Youtube. Parecia arrependido. "O crime não é brincadeira. Muitos estão entrando por verem os ganhos, fama e dinheiro, não a raiz, prisão e morte. É como o diabo: dá com uma mão e tira com a outra. Tem muitos jovens que entram e, quando querem sair, já é tarde demais", disse ao jornal "Folha de S. Paulo", em 2018.
"Entendeu que matar não era bom. Senão, seria preso de novo. Aí, passou a ser Pedro Rodrigues Filho, ex-matador. Estava a construir de uma nova identidade, mas ainda usando a velha", comenta Ilana Casoy, ao UOL.
Pedro Rodrigues Filho morreu numa manhã calma de domingo, sentado numa cadeira à porta de familiares nos arredores de São Paulo, a cidade onde se fez criminoso e onde nasceu a lenda de Pedrinho Matador.