Comandante de rebocador sequestrado em Agosto de 2008, diz que os piratas somális "eram profissionais", que "sabiam exactamente o que estavam a fazer.
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"Esta foi a pior experiência da minha vida. Nunca vivi nada assim! Não sei como ainda estou vivo!", disse hoje à Lusa Graham Egbegi, o comandante do rebocador libertado sexta-feira à noite pelos piratas.
Em declarações à Lusa, por telefone, a partir do Iémen, onde chegara há algumas horas, o comandante nigeriano do "Yenegoa Ocean", que é ainda o comandante que mais tempo esteve sequestrado (desde 06 de Agosto até 05 de Junho) pelos piratas da Somália, mostrou um grande alívio por finalmente poder ir ter com a sua família, na Nigéria.
Explicando tudo por que passou ao longo dos dez meses de sequestro, Egbegi quis, no entanto, frisar o que o fez sofrer mais: "Foi tanto tempo ali dentro, sentimos falta de tudo, mas da família principalmente".
Quanto aos piratas, garantiu que "eram profissionais", que "sabiam exactamente o que estavam a fazer, o que queriam, o que deviam fazer". Disse que inicialmente eram 12 homens, mas que ao longo do tempo foi mudando, tendo duplicado o número de homens a bordo, às vezes triplicado.
De referir que o "Yenegoa Ocean" esteve todo este tempo parado junto a uma aldeia somali, "a uns 60 metros de terra", e enquanto esteve sequestrado com outros nove nigerianos era "visitado" por numerosos piratas que entravam e saíam com frequência, gente que roubava e destruía tudo o que encontarava no navio. "Uma vez ao telefone com o comandante disse-lhe o que estavam a fazer ao navio, mas os piratas não gostaram e ficaram muito zangados comigo, ameaçando matar-me", contou.
Questionado sobre se nunca tentou fugir, o comandante Graham Egbegi lembrou: "houve momentos em que comecei a estudar o comportamento deles para perceber se havia forma de fugir dali, mas tal não era possível, tinham guardas armados em todos os pontos do rebocador".
Saiu da Somália obviamente enfraquecido psicológica e fisicamente mas garantiu que os piratas nunca lhes causaram mal físico: "Desde o primeiro dia que nos disseram que não nos iriam fazer mal. A única coisa que queriam era o dinheiro do resgate, e nós nunca tentámos reagir fisicamente".
Ao longo dos dez meses teve oportunidades de contactar o proprietário do navio e algumas vezes a família: "Era muito difícil, a minha família só chorava, chorava, era eu que lhes dizia para não chorarem, que tudo iria correr bem".
Quanto às negociações, afirmou que os piratas comunicavam directamente com o proprietário do navio, por telefone-satélite, o seu papel neste processo era apenas o de lhes explicar (aos piratas) que "o valor que estavam a pedir era muito alto, que deveriam baixar" e pedir calma sempre que começavam as negociações.
A tripulação não tinha qualquer privacidade e os primeiros três meses foram terríveis, "os piratas estavam sempre connosco, receavam que eu comunicasse com o exterior".
Montaram no "deck" uma metralhadora automática e tinham metralhadoras AK-47 além de "rockets" que viu pela primeira vez, reconhecendo "das reportagens do Afeganistão".
"Os piratas começaram por pedir um milhão de dólares, mas não sei quanto acabaram por receber, só sei que quando vi que podia sair dali, achei que era um milagre", afirmou à Lusa o comandante do "Yenegoa Ocean".
O pesadelo teve o princípio do fim quando, há uns dias atrás, Graham Egbegi começou a aperceber-se de que já não estavam no navio alguns dos habituais piratas que faziam a segurança: "O que estava de metralhadora, já não existia, e comecei a ver levarem as armas para fora do navio".
"Na sexta-feira, levantei-me de manhã, fui verificar os sistemas do navio e um dos piratas chamou-me. Disse-me para ir à ponte receber um telefonema. Quando peguei no telefone, só ouvi do outro lado: 'Liga os motores e parte! Liga os motores e parte!'"
Foi o tempo de os últimos piratas saírem para o seu bote, ligou rapidamente os motores do rebocador e partiu dali o mais rápido que conseguiu.
Só que, naquele momento, nada estava totalmente resolvido, porque algumas milhas à frente poderiam ser abordados por mais piratas. A preocupação urgente foi contactar a organização internacional que monitoriza a actividade dos piratas, da qual dispunha de contacto, e logo de seguida colocaram-no em contacto com o navio holandês da NATO, o "Zeven Provincien".
"Foi fantástica a ajuda do navio holandês da NATO e foi também uma sorte estar por perto o navio francês que nos ajudou muito com água, combustível, alimentos e apoio médico", explicou Graham Egbegi.
Toda a tripulação estava fragilizada, uma vez que três semanas depois do sequestro já estavam esgotados os alimentos a bordo e desde aí a alimentação passou a ser muito pobre: "Só conseguimos comer pão, arroz e farinhas, foi isto durante todos estes meses. Vivemos quase como animais".
Egbegi vai agora partir a caminho da Nigéria, para junto de sua família, deixando o rebocador a cargo de outro comandante que levará o navio.
O Golfo de Aden é o local do mundo com maior risco de pirataria. Todos os anos navegam naquelas águas entre 20 a 30 mil navios. Os piratas têm capacidade de actuar até cerca de 750 quilómetros da sua costa.
O rebocador que esteve sequestrado é propriedade da "ESL Integrated Services", de bandeira panamiana.
* Agência Lusa