Cerca de 20 dirigentes, entre os quais o vice-ministro da Defesa da Ucrânia, foram demitidos ou resignaram nos últimos dias. São baixas civis da outra guerra, que há muitos anos consome a Ucrânia, a da corrupção. EUA dizem que apoio para enfrentar a Rússia depende do sucesso da limpeza que Zelensky iniciou. A União Europeia apoia.
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"O Ocidente percebe que temos duas guerras. A primeira contra a Rússia, e depois há a outra, interna, pelo futuro da Ucrânia", disse o deputado ucraniano Yaroslav Yurchyshyn, ao canal de televisão britânico BBC. Vários funcionários bem colocados do Estado ucranianos demitiram-se após notícias publicadas na imprensa da Ucrânia sobre alegadas compras de material logístico militar a "preços inflacionados", nomeadamente alimentos.
O vice-ministro da Defesa, Vyacheslav Shapovalo, foi afastado na sequência de alegados casos de corrupção. A "onda" atirou borda fora ainda o vice-chefe da Administração Presidencial, Kyrylo Tymoshenko, e do vice-Procurador-Geral, Oleksiy Simonenko. Entretanto, "por vontade própria", cinco procuradores das regiões de Zaporijia, Kirovograd, Poltava, Sumy e Cherniguiv também renunciaram. Entre as vítimas civis da corrupção está, ainda, o chefe do departamento de compras do exército, Bodgan Khmelnytsky.
Estes afastamentos seguem-se à demissão do vice-ministro ucraniano das Infraestruturas, Vasyl Lozynsky, por suspeita de receber um suborno de 400 mil dólares para "facilitar" a compra de geradores a preços inflacionados. No total, pelo menos 18 dirigentes ucranianos, regionais e nacionais, foram demitidos ou renunciaram esta semana.
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"Queríamos resultados", lembra o deputado ucraniano Yaroslav Yurchyshyn. "É verdade que há metástases da corrupção, mas ao menos não estamos em silêncio. O próximo passo é a prevenção", acrescentou Yurchyshyn, considerando que a limpeza operada por Zelensky vem na altura certa. E os EUA confirmam.
"Apoiamos o compromisso da Ucrânia com a transparência e a responsabilidade. Vimos esse exemplo nas últimas horas e continuaremos a apoiar a Ucrânia na implementação dessas importantes reformas anticorrupção", disse Ned Price, porta-voz do departamento de Estado norte-americano, citado pela Agência Lusa.
Ned Price enfatizou que os Estados Unidos estão empenhados em garantir que todas as remessas de armas e ajuda humanitária para a Ucrânia sejam utilizadas adequadamente e em estrita conformidade com a lei. Uma declaração sublinhada, depois, pela subsecretária de Estado norte-americana para Assuntos Políticos, Victoria Nuland. Perante o Comité de Relações Externas do Senado, garantiu que o combate à corrupção na Ucrânia é uma condição para a continuidade do apoio a Kiev.
"Continuamos a apoiar reformas essenciais e medidas anticorrupção do Governo ucraniano. A Ucrânia não deve simplesmente sobreviver a esta guerra. Deve emergir mais forte, mais democrática, mais europeia. Isso também é fundamental para o apoio que os EUA e os nossos parceiros internacionais oferecem", disse, na audiência "Combater a Agressão Russa" na Ucrânia.
Nuland observou que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, tem dado passos importantes no combate à corrupção, citando várias demissões no executivo. A Comissão Europeia também reagiu às demissões, considerando que Zelensky está a agir "seriamente" contra a corrupção na Ucrânia.
A Ucrânia percebeu a mensagem. "Mesmo que estas acusações sejam infundadas, a saída de Shapovalo vai preservar a confiança da sociedade e dos parceiros internacionais, assim como assegurar a objetividade" e todos os esforços para o esclarecimento do caso, disse o Ministério da Defesa através de um comunicado.
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"Estamos a falar da existência da Ucrânia", disse o jornalista de investigação Mykhaylo Tkach, que revelou os primeiros casos. "Não é um ano qualquer para o nosso país. Por isso penso que esta onda de demissões, promovida pelo presidente, é um reconhecimento importante e uma ação necessária", acrescentou.
A questão da corrupção na Ucrânia não é novidade. Foi apenas abafada pelo estrondo dos canhões, escondida no fumo das bombas, enterrada, à vista, nos escombros da guerra que atordoou o mundo há quase um ano. Silenciado pelo eclodir dos obuses, o tema preocupava o Ocidente e no dealbar de 2022 era uma das preocupações e críticas apontadas por Bruxelas e Washington a Kiev.
A corrupção é um vírus nos serviços públicos ucranianos desde a independência do país, há 31 anos. Em 2014, uma revolta popular, que inundou cidades como Kiev e tantas outras, levou à queda de um governo próximo de Moscovo, porque as pessoas queriam viver numa democracia plena, não apenas numa aparência de democracia.
A separação definitiva da Rússia, à qual a Ucrânia permaneceu ligada por uma espécie de cordão umbilical em decomposição, dependia de ajuda externa. Para manter apoio político e financeiro, Kiev teve de fazer uma série de reformas: criou agências anticorrupção, renovou a polícia e criou sistema de fiscalização dos dinheiros públicos. Os políticos foram obrigados a declarar publicamente os rendimentos.