Jovem estudante de Direito que venceu uma batalha contra uma firma de advogados londrinos garante que muitos emigrantes portugueses não vivem bem.
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Alexandra da Silva, a estudante de Direito na Universidade de Londres (University of London) que ajudou uma emigrante madeirense analfabeta, com 69 anos, a resgatar cerca de 200 mil euros (170 mil libras) a uma firma de advogados inglesa, viu o caso, finalmente, encerrado no início deste ano.
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Ângela Maria Sousa Baptista, natural da Madeira, vive sozinha em Inglaterra há mais de 40 anos. Em 2006 foi atropelada, tendo ficado com incapacidade física parcial. Foi indemnizada pelo acidente, mas a firma que lhe tratou do caso invocou a incapacidade mental de Ângela para assim poder reter a indemnização da emigrante e passar a administrar todos os seus bens. Desde 2013, a madeirense tentava, sem êxito, reverter a situação, até que, em 2016, cruzou-se com a jovem de 21 anos, natural de Viana do Castelo. Alexandra acabou por ajudá-la a vencer o caso, em definitivo, em fevereiro deste ano.
Na reta final dos estudos, a futura advogada olha agora para o futuro com olhos de esperança e planos para uma vida repartida entre Portugal e Inglaterra. E entre o Direito e... o futebol. Por influência do pai, Vítor Silva, antigo jogador e treinador, inscreveu-se para ser agente da Federação Internacional de Futebol (FIFA) e aguarda a sua oportunidade. De férias na terra natal, Cardielos, Viana do Castelo, a jovem falou ao JN da admiração do país de acolhimento por Cristiano Ronaldo e Mourinho, do desamparo da comunidade portuguesa, que tenta ajudar através da sua empresa, prestando serviços de consultoria, e do divórcio britânico-europeu. Não, o Brexit não terá impacto na vida dos europeus. Acredita.
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Como estão os seus estudos de Direito em Londres?
Estou no terceiro ano. Neste momento, estou a escrever a minha tese, que é sobre a comparação entre a legalidade da prática da eutanásia em Portugal e na Holanda. Porque é que dois países de direito civil têm duas respostas diferentes, porque é que um aceita e outro não. Faço uma análise da parte da religião, da ética e um pouco de tudo. Estou a dois meses de terminar a Licenciatura e depois terei de entrar na Ordem dos Advogados. Será mais um ano e estará concluído o percurso.
Nestes três anos já ajudou muita gente?
Começou com o caso de dona Ângela. Com a visibilidade que este teve em setembro de 2017, comecei a receber pedidos de pessoas que me confiaram as suas causas. Ganhei, entretanto, um caso em fevereiro. Estou à espera de respostas de outros casos. Além disso, tenho tido também muitos pedidos em coisas mais burocráticas, designadamente, traduções, preenchimento de papéis, consultoria de alguma maneira.
Não tendo o curso concluído ajudou pessoas em Londres. Se fosse em Portugal isso seria possível?
Apoio jurídico talvez não. Apenas aconselhamento, com base no conhecimento. Pegar em casos, como o de dona Ângela, não. Teriam sempre de ter um advogado inscrito na Ordem para representar o cliente. Em Inglaterra é possível com o "litigation friend" (amigo do litígio), uma figura prevista na lei inglesa que não existe em Portugal e que permite ajudar principalmente pessoas vulneráveis, idosos, crianças, pessoas dadas como mentalmente incapazes.
O caso está definitivamente encerrado?
Houve um recurso e há dias saiu a decisão: ganhámos novamente. Esta batalha está ganha e dona Ângela pode ser feliz e gozar o que lhe pertence. E eu fico contente por ter ajudado e não ter desistido dela, mesmo quando as coisas pareciam perdidas.
O que foi determinante para vencer?
A determinação, precisamente. E o termos feito as coisa de uma maneira limpa. A persistência. Penso que isso foi fulcral.
É comum os seus colegas estudantes ingleses também ajudarem nestes casos?
Não. Eles até ficaram bastantes surpreendidos. Em setembro, quando o caso foi noticiado, quiseram festejar e estavam muito contentes com o feito. Não é muito comum, apesar de poderem fazê-lo. Pelo menos no meu núcleo da universidade foi uma surpresa.
Que diferenças encontra na legislação portuguesa e inglesa?
Costumo dizer que Portugal é mais complicado, mais burocrático. Em Inglaterra, vejo as coisas acontecerem mais rápido. Vejo respostas mais céleres e menos laboriosas. E mais fáceis de entender. Consegue-se explicar a uma pessoa com menos formação o resultado de uma ordem do tribunal de forma simples. Em Portugal é tudo mais complexo. Não digo que seja só culpa do Direito, digo que é também culpa da língua. Essa é a diferença mais gritante.
E com a comunidade portuguesa em Londres, costuma lidar?
Sim, principalmente no meu trabalho. Em 2017, criei uma empresa de consultoria que trabalha essencialmente serviços relacionados com tradução, apoio jurídicos e em aspetos práticos.
O que é que pensa fazer no futuro? Ficar em Londres? Regressar a Portugal?
Gostava muito de manter as ligações com os dois países. Também gostava de aprofundar a lei portuguesa, porque pouco ou nada sei da lei do meu país. Fazer formação. E gostava que a minha vida fosse repartida entre Portugal e Inglaterra. Não consigo ficar num sítio muito tempo e estou dividida.
Tem mais oportunidades em Inglaterra?
Sim, em vários aspetos. São mundos completamente diferentes. Não conseguiria escolher um país para estar, porque tenho o meu coração metade lá e metade cá.
E os seus planos na área do futebol?
Estou neste momento a fazer formação para me tornar agente FIFA em Inglaterra. Influências do pai. Vamos ver como é que isso irá correr em termos futuros. Vejo a minha vida a passar também pelos negócios, apesar de ser apaixonada pela lei e pela defesa da justiça.
A ideia será descobrir Cristianos Ronaldos?
(risos) E conhecê-lo também. Sou grande admiradora de Ronaldo e de José Mourinho. Espero um dia concretizar o sonho de conhecê-los pessoalmente.
Como é que esses dois portugueses são vistos em Inglaterra?
É fantástico. Fico emocionada quando as pessoas me perguntam de onde sou e respondo que sou portuguesa. Começam logo a dizer: Ronaldo, Mourinho. É uma alegria. Vibro com eles quando dizem isso, porque sinto que um país tão pequenino consegue ser muito reconhecido e bem representado lá fora. Para mim é um orgulho tremendo.
O Reino Unido vai sair da União Europeia. Como é que encara o Brexit?
Penso que não vai afetar os europeus. Creio que vai haver, sim, algumas mudanças. Vejo o Brexit como uma maneira de controlar a emigração. Controlar a massa migratória que estava a ir para Inglaterra. A quem está lá, acho que não irá acontecer nada de extraordinário. Para mim, a Inglaterra será sempre um país de oportunidades, onde se pode construir uma carreira e prosperar. Há muita gente assustada com isto, mas eu não estou e tento tranquilizar até clientes que me ligam e falam disso. Acredito que não vai haver alterações massivas.
Acha que a comunidade portuguesa vive bem lá?
Não. Se calhar a minha resposta é um bocado polémica, mas os portugueses não vivem bem em Inglaterra. É um país muito diferente do nosso. Em termos sociais, talvez alguns não se consigam enquadrar. Ainda temos a ideia de que o português gosta de viver na sua comunidade. Sair da área de conforto, para alguns, é bastante chocante. A comunidade vive um bocadinho isolada. Os mais velhos, principalmente, vivem isolados da cultura inglesa. Nota-se isso, apesar de os ingleses nos admirarem muito. A nossa cultura, a nossa gastronomia, há restaurantes portugueses que têm muita procura por parte dos ingleses, lembra-lhes muito as férias do Algarve. No entanto, nós, portugueses, não estamos muito integrados com os ingleses. Parece que nos custa criar certos laços com eles. Eu vivo "cinquenta-cinquenta" entre as comunidades inglesa e portuguesa e apercebo-me dessas diferenças.
Sente que nasceu para o Direito?
Sim. Houve um período em que não sabia se estava a seguir o que realmente queria, mas agora, com a experiência que tenho, posso dizer a todos os jovens que sigam o sonho, mesmo que pensem que não há saídas. Ter ajudado dona Ângela, que é uma querida e que vou trazer sempre no coração, ajudou-me a conhecer-me e a perceber o que eu quero e o que não quero. Foi uma bênção. Por isso, o que recomendo, é que devemos contrariar se estivermos a receber pressão social para ir por outro caminho e seguir o que o coração manda. Se é paixão, é seguir a paixão. Nunca seguir um caminho que não se quer, só porque se tem medo do amanhã. Para o amanhã ainda falta muito.