Os ataques da Marinha norte-americana contra embarcações de alegados traficantes na costa venezuelana, que já chegaram a seis e deixaram mais de duas dezenas de mortos, são casos que poderão ajudar Donald Trump, no futuro, a justificar novas "atuações militares excecionais". Esta é a análise de Rui Henrique Santos, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA).
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O especialista duvida que "exista vontade ou mesmo um plano para uma intervenção direta militar dos EUA na Venezuela". "A estratégia passará por criar incentivos à Oposição venezuelana, e ao círculo político e militar próximo de [Nicolás] Maduro, para uma tentativa de mudança de regime interno", afirma Santos.
Umas das principais figuras da Oposição ao Governo de Caracas, María Corina Machado, recebeu, na última semana, o Nobel da Paz. E, na quinta-feira, o jornal "Miami Herald" noticiou um alegado plano aprovado pelo próprio Maduro para que a vice-presidente, Delcy Rodríguez, conduzisse uma transição de poder, deixando o chavismo "mais palatável" a Washington. A política venezuelana negou tais informações.
"Os EUA - e qualquer grande potência - têm capacidades para influenciar ou conduzir operações deste calibre em qualquer ponto do globo. Desde que Trump tomou posse, a intenção de domínio incontestado do 'quintal americano' é visível, como patente nas suas declarações sobre o Canal do Panamá, a fricção com o Brasil e o México, e o apoio a Milei", acrescenta o investigador.
Após o diário "The New York Times" ter avançado que o presidente dos Estados Unidos autorizou operações dos serviços secretos no país sul-americano, Trump confirmou a notícia na quarta-feira, mas sem especificar como está a ocorrer tal atuação da CIA.
"Performance gratuita de poder militar"
Para Rui Henrique Santos, os ataques contra as embarcações da Venezuela "são apenas uma performance gratuita de poder militar sem qualquer resultado prático". "O combate ao narcotráfico deve ser enquadrado em contexto de operações policiais e não militares, e que as justificações da Administração Trump para estes ataques são, no mínimo, duvidosas. Não existem indicadores que suportem os supostos factos que Trump relaciona entre o tráfico com origem na Venezuela e as consequências para a saúde pública nos EUA", destaca.
A agência Reuters revelou que o sexto ataque resultou na presença inédita de sobreviventes. A Associated Press reportou posteriormente, citando fontes oficiais norte-americanas, sob condição de anonimato, que uma pessoa morreu e duas sobreviveram - tendo sido capturadas pela Marinha.
O uso de militares abre um "precedente perigoso", na visão do especialista. "Trump já sublinhou várias vezes que qualquer ameaça aos EUA deve ser combatida sem atender ao 'politicamente correto', que no seu entender serão os Direitos Humanos básicos e as regras elementares da ordem internacional. Mesmo que as ameaças sejam irreais, desproporcionais e até inflacionadas - como os migrantes, que Trump diz serem maioritariamente provenientes de 'asilos mentais' e prisões -, a forma como Trump vende a retórica permite que atuações militares excecionais sejam no futuro consideradas", frisa.
O líder da Casa Branca tem testado os limites do poder da Presidência, tendo enviado tropas da Guarda Nacional para bastiões democratas. Los Angeles, Washington DC e Chicago são alguns exemplos de cidades que foram alvo do republicano.
No caso venezuelano, os parlamentares democratas tentam evitar que uma guerra nas Caraíbas seja iniciada por Trump sem o aval do Congresso. Mesmo que o contexto interno norte-americano esteja mais fragmentado, o especialista crê que "o clima doméstico de apoio ao Governo é sempre passível de ser manipulado no início de uma crise". Além disso, o atual encerramento do Executivo federal não afeta os fundos para as operações da CIA - "até porque, regra geral, também não são fiscalizados extensivamente".