Vitória será determinada não pelos eleitores que gostem de um ou outro candidato, mas sim pelos que têm rancor por um dos opositores. Sondagens dão vantagem ao líder do PT, que pode ser eleito na primeira volta.
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Com o Brasil dividido ao meio entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro, a ideia de que o vencedor sairá de uma eleição de ódio vai ganhando cada vez mais consistência. Ou seja, no próximo domingo, dia do sufrágio, grande parte dos votos não serão colocados nas urnas porque os eleitores gostam de um ou de outro candidato, mas sim porque odeiam o opositor.
O politólogo Lucas de Aragão (ver entrevista), sócio da Arko Advice - uma empresa de análise política brasileira - refere que muito se tem falado na campanha na tese da rejeição. "Ou seja, a eleição está dividida em três, os apoiantes de Bolsonaro, os apoiantes de Lula e os que rejeitam ambos", sendo que estes últimos devem definir o vencedor. "Quem for menos rejeitado tem possibilidades de ganhar", diz Lucas de Aragão. No fundo, "há um paredão de ódio, com a maioria das pessoas votando para evitar um, mais do que eleger o outro, coisa que tem acontecido um pouco por todo o Mundo", explica o analista.
Lucas de Aragão, apesar de reconhecer o favoritismo de Lula da Silva, afirmou recentemente ao "Folha de S. Paulo" que "prever uma eleição é igual a prever um câmbio para um economista: só serve para passarmos vergonha".
Já Silvio Cascione, diretor da Eurasia Brasil, concorda que as sondagens estão a favor de Lula, reforçando o seu favoritismo, mas que a melhoria observada no ritmo da atividade económica do país e as medidas de auxílio financeiro à população podem favorecer Bolsonaro. É que se o presidente do Brasil for conhecido só a 30 de outubro, ainda restarão cerca de quatro semanas para Bolsonaro beneficiar das medidas anticrise.
Não haverá golpes
Questionado se haverá algum risco de rutura institucional provocada pelo candidato derrotado, Lucas de Aragão é perentório: "Não. A democracia no Brasil, numa analogia a um avião, levantou voo, pode passar por uma turbulência, ter algum tipo de tensão, mas vai pousar. E a partir do dia 1 de janeiro, quem ganhar a eleição, ganhou a eleição. Não teremos um golpe ou algo parecido com isso". No entanto, isso não significa que "não possa haver questões, tensão social, problemas jurídicos, eventualmente até alguns protestos e alguma violência política", explica.
alguma Vantagem
A uma semana do ato eleitoral, Lula tem uma vantagem de 14 pontos sobre Bolsonaro, crescendo assim a possibilidade de o líder do Partido dos Trabalhadores (PT) vencer na primeira volta. Segundo o Datafolha, Lula da Silva tem 47% dos votos totais, oscilando positivamente dois pontos perante os 45% da semana passada, enquanto Bolsonaro se manteve nos 33%.
A boa notícia para Lula é que, com esta oscilação, voltou a ter 50% de votos válidos, o limiar para uma vitória na primeira volta. É que o critério adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral indica que, para a contagem da eleição, são excluídos os brancos e nulos. Ou seja, quem tiver 50% mais um voto está eleito diretamente. Na semana passada, Lula estava nos 48%. Nos próximos dias, o líder do PT deverá redobrar os esforços para evitar uma alta abstenção e, ao mesmo tempo, roubar o voto útil a Ciro Gomes e Simone Tebet. Já Jair Bolsonaro irá tentar investir contra a imagem do ex-presidente, ligado aos escândalos da operação Lava Jato e que o fez passar mais de ano e meio na prisão.
Não foi por acaso que Lula passou esta semana a acenar aos mais idosos, o grupo mais propenso para a abstenção. Já o atual presidente usou um arsenal de medidas populistas na economia, reajustando o Auxílio Brasil - semelhante ao rendimento social de inserção em Portugal - para os mais pobres e benesses pontuais a camionistas e taxistas. Além de uma redução nos preços dos combustíveis. Os analistas acreditam que foram estas medidas que fizeram encurtar a distância para Lula da Silva. É que o líder do PT chegou a ter 54% em maio. Apesar do pacote Bolsonaro, a fome e a inflação, aliada ao aumento dos preços dos alimentos, têm impedido que a melhoria económica do país seja percebida pelos mais necessitados.
DETALHES
Lula da Silva vai disputar a sua sexta eleição para presidente. Derrotado em 1989, 1994 e 1998, o líder do PT foi eleito em 2002 e reeleito quatro anos depois. Metalúrgico e líder sindical, o ex-presidente foi deputado federal por São Paulo. Chegou a posicionar-se como pré-candidato à presidência nas eleições de 2018 - ganhas por Jair Bolsonaro -, quando estava preso decorrente de uma condenação no âmbito da operação Lava Jato. Pernambucano de Garanhuns, viúvo da ex-primeira-dama Marisa Letícia e pai de cinco filhos, Lula da Silva casou-se novamente em maio com a socióloga Rosângela da Silva, a Janja.
Candidato a uma reeleição, o presidente Bolsonaro concorre às eleições de 2022 pelo Partido Liberal (PL), o seu décimo partido. Eleito pela primeira vez para o cargo em 2018, quando venceu a disputa pelo Planalto, fez carreira como deputado federal pelo Rio de Janeiro, cargo que ocupou de 1990 a 2018. Antes, foi vereador da capital fluminense durante dois anos. Nascido no interior de São Paulo, na cidade de Glicério, Bolsonaro é casado com Michelle Bolsonaro, pai de cinco filhos e capitão do Exército. O seu mandato foi cheio de polémicas e de declarações que a oposição acusa de fazer perigar a democracia.