A política, a religião e a devoção do clientelismo na batalha pela presidência do Brasil. O Estado laico à mercê das expedições dos novos cruzados.
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Brasil acima de tudo e Deus acima de todos. É a divisa do nacionalismo religioso que apoia o presidente e recandidato. Um exército de predicadores evangélicos renega e excomunga Lula da Silva e aclama e benze as políticas ultraconservadores de Jair Messias Bolsonaro, sobretudo no fervor contra o aborto e o casamento gay. Numa célebre exortação ao Congresso, em 2019, o próprio tratou de eternizar esta devoção: "Deus é nós!" [sic].
Último grande avanço desta frente pentecostalista na esfera do poder civil, secular, como a Constituição brasileira o consagra: Bolsonaro nomeou um juiz evangélico para o Supremo Tribunal Federal. Foi só mais uma demonstração das ligações do presidente do Brasil com estas igrejas da confissão também tão fervorosamente seguida pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
A Câmara de Deputados é o plano declarado da investida do culto na política: os evangélicos tornaram-se num grupo poderoso, com 112 entre 513 parlamentares; representam 30% da população brasileira (212 milhões de almas) e são maioritariamente provenientes das classes mais desfavorecidas. Ainda assim, esta corrente derivada do protestantismo tem influência nas mais altas esferas do poder.
Na base, a Igreja Evangélica ativa-se nas ruas do Brasil pela reeleição do presidente e contra o rival e favorito das sondagens, Luiz Inácio Lula da Silva. Amplia o discurso de Bolsonaro, nas críticas aos escândalos de corrupção apontados à Esquerda e contra as duas siglas diabolizadas nos sermões, a IVG (interrupção voluntária da gravidez) e a LGBT, "o kit gay", como lhe chama o 38.º presidente da república federal.
Política e religião de mão dada
Segundo o Instituto Datafolha, Bolsonaro obtém 48% das intenções de voto do eleitorado evangélico. E Lula 32%. É quase o inverso do que aponta a projeção sobre as preferências dos 156 milhões de cidadãos inscritos nos cadernos eleitorais, publicada esta terça-feira e que antecipa a eleição de Lula logo à primeira volta, com 52% dos votos válidos (34% para Bolsonaro).
De acordo com os mesmos estudos de opinião, 56% dos brasileiros consideram que política e religião andam de mão dada. E 60% preferem "um candidato que defenda os valores da família" a outro com um bom programa económico. Uma perceção que Bolsonaro bem domina e ainda melhor admite: "De economia não percebo nada".
"Ele é um cachaceiro"
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Entre os assessores que o elucidam na direção da sexta maior economia mundial, Bolsonaro pode contar com um amigo muito próximo da família, o pastor Silas Malafaia. À cabeça de 150 templos evangélicos, este grande predicador das massas, íntimo e conselheiro pessoal do presidente, envolve-se por todos os meios na reeleição do ex-militar e na diabolização de Lula.
Num dos vídeos que pululam pela Internet, nem se coíbe de ataques de caráter ao antigo presidente: "Ele é um cachaceiro. A cachaça está destruindo os neurónios dele. Esse camarada não tem condições psicológicas e mentais para ser presidente do Brasil".
"Dei-me conta do que é ser poderoso. Se qualquer um pode influenciar as eleições, por que não eu? Os sindicalistas, os médicos, os comunistas fazem-no muito bem", afirma o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADEVC), citado pela France-Presse.
Silas Malafaia dirige esta congregação há 12 anos e gaba-se de ter decuplicado o número de fiéis, "de 20 mil para 200 mil". Estrela das cadeias de televisão evangélicas, o pastor de 63 anos aponta a outro gráfico: dez milhões de seguidores nas redes sociais.
"Aliado, não alienado"
Malafaia e Bolsonaro são amigos de longa data. O pastor celebrou o casamento do presidente com Michelle, zelosa evangélica. No último dia 7, assistiu desde a tribuna presidencial às cerimónias de comemoração do bicentenário do Brasil, ao lado de diplomatas e chefes de Estado.
Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente, diz que o pai "fala quase todos os dias" com o pastor, que considera como "uma forte inspiração". O líder da ADEVC confirma e não hesita: "Digo-lhe o que penso quando considero que não está a ir pelo bom caminho".
Tal como Bolsonaro, o ministro evangélico duvida das sondagens e sobretudo da fiabilidade dos sistemas de urnas eletrónicas. "Se há quem viole o Pentágono, por que razão não se pode fazer o mesmo aqui?", questiona o ultrarradical bolsonarista, igualmente muito crítico do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, "um ditador de toga", opositor declarado do inquilino do Palácio do Planalto.
Este juiz, também membro do Supremo Tribunal Federal, ordenou a abertura de vários inquéritos a Bolsonaro, designadamente por disseminação de informações falsas. Seja ou não por isso, o apoio do pastor Malafaia ao presidente não é tão incondicional quanto isso: "Sou aliado, não alienado".